Tudo o Que Você Gostaria de Saber Sobre
Lacan e Ousou Perguntar a Slavoj iek:
Psicanálise e Cinema
Elsa Santos Neves
Psicóloga. Psicanalista. Mestre em Teoria
Psicanalítica (UFRJ). Professora dos Cursos de Graduação
e Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica
da Universidade Estácio de Sá
Palavras-Chave:
Psicanálise – Cinema – Imaginário –
Real – Simbólico – Sujeito – Grande Outro –
Objeto a – Fantasia
Resumo:
O grande interesse da psicanálise pelos filmes que desenham
uma realidade subjetiva pode, efetivamente, colocar em perspectiva os
conceitos psicanalíticos. Não se trata, porém,
de uma interpretação dos filmes pela psicanálise.
Pelo contrário, trata-se de, mediante uma análise formal
da linguagem cinematográfica, esclarecer certos conceitos freudianos
e lacanianos através dos filmes, utilizados como ilustração.
Tendo como norte a proposta de Slavoj iek, este artigo busca
evidenciar os procedimentos do cinema e como aí aparecem os conceitos
lacanianos de Grande Outro, objeto a, sujeito barrado e fantasia.
A fascinante aventura do cinema nasce das imagens que insistem em permanecer
indeléveis em nossa lembrança. Quem esquece a imagem torturada
de Kane (1941) com o objeto mágico que o prende à infância
perdida, o olhar molhado de Ilsa despedindo-se de Rick no aeroporto
de Casablanca (1942), a trajetória, que condensa em segundos
milhares de anos, de um osso-espaço-nave em 2001: Uma Odisséia
no Espaço (1968), ou a sombra misteriosa no rosto de James Stuart
que se transforma na beleza estonteante de Lisa, em Janela Indiscreta
(1954), o grito mudo da mãe na escadaria no Encouraçado
Potemkim (1925), ou o lento movimento da câmera de Pabst nas intermináveis
costas de Louise Brooks em A Caixa de Pandora (1925), ou ainda a voz
acusmática em Rebecca (1940) e Psicose (1960) de Hitchcock?
Além dos sentimentos e emoções que essas imagens
tocam, cada uma delas envolve a magia da luz, do movimento e do som.
A fascinação que de súbito nos atinge é
correlata à impossibilidade de esquecermos das imagens dos filmes
que vimos.
Como se torna possível essa fascinação por uma
realidade imaginária? Por que sentimos esta realidade como real?
De que realidade se trata?
Talvez porque nos filmes habita a imaginação de todos.
Talvez nesse mundo se encontrem e se percam as imagens que nos marcaram.
Temos muitas dessas imagens em nossa lembrança: são ficções
quase reais. Este encadeamento de imagens é criado, talvez, para
nos lembrar que sonhamos. Talvez algo da inquietante estranheza com
que somos tocados por uma imagem possa ser atribuído a estarmos
diante de um espelho que reflete a nossa própria subjetividade.
Por que um simples fluxo de luz, sombra e movimento nos seduz, alegra,
apaixona, faz sofrer, pensar? Por que tantas emoções condensadas
numa única imagem? Será, talvez, o cinema esta forma essencial
de encadear em imagens um sentido, às vezes mais “real”
que nosso próprio cotidiano?
Mas, afinal, o que tem o cinema a ver com a psicanálise? A ênfase
do não-dito? O dito nas entrelinhas? O espaço morto entre
duas imagens? À psicaná lise interessa o não-dito.
O entredito, o dito nas entrelinhas e, talvez, o que o cinema nos mostra
é o que não queremos exibir, o que nos escapa.
Segundo Peter Brooks, o cinema é a arte de tornar visível
o invisível.1 Não são assim, também, feitos
os sonhos? Também para “exibir" o Inconsciente não
criamos uma trama de imagens e palavras quase inefáveis?
Talvez não fosse equivocado dizer que o cinema nos aproxima de
nosso próprio desconhecimento, de nossa própria divisão.
Como os sonhos, o cinema vive de associações, de condensações,
de metáforas e metonímias. Não seria, talvez, o
cinema, como o sonho, um encadeamento de imagens e emoções
que tem como efeito um sujeito? Não são dos estrangeiros
sentimentos e imagens de nossos sonhos que extraímos enigmas
repletos de nuances? Onde os sonhos poderiam se justapor à passividade
que nos é imposta, a não ser neste tempo e espaço
impensável entre os sonhos e as imagens de um filme?2 A associação
e o encadeamento de imagens possuem, por si sós, um poder de
encantamento enigmático, deformado, cuja realidade é,
às vezes, mais realista do que a que vivemos. As nossas mais
ocultas e veladas marcas, nossos desejos mais inconfessáveis
fervilham nas telas do cinema. Muito bem, o cinema pode ser a tradução
de nosso desejo mais secretamente inconsciente. Podemos, no cinema,
como nos sonhos, ser “sonhados". É verdade que nos
emocionamos, que acreditamos na realidade de uma ficção,
que refletimos de forma especular nossos desejos nas imagens que nos
são impostas.
Mas a pergunta crucial que nos é imposta é: Como apreender
os conceitos da psicanálise no encadeamento de imagens, luz e
movimento? Como sair do senso comum da pura intuição e
desdobrar imagens, sentimentos, som, luz, movimento e a linguagem própria
do cinema em conceitos teóricos?
Slavoj iek é um dos mais ousados teóricos
que informa sua análise do cinema pelos conceitos lacanianos;
ele possui uma forma muito particular de se apropriar da teoria lacaniana
para analisar filmes e a linguagem do cinema. A teoria psicanalítica
que o informa, permite-lhe, ao contrário de outros teóricos,
escapar da pura intuição e da classificação,
e fazer uma análise estrutural e ao mesmo tempo dialética
entre a forma e o conteúdo, passando pelos conceitos psicanalíticos.
Buscarei, em poucas palavras, expor a busca de um rigor teórico
proposto por iek, que foge da classificação
e da análise intuitiva, pois estas são sempre subjetivas.
3
iek se propõe analisar os filmes como Lévi-Strauss4
se propõe a analisar os mitos. Recordemos rapidamente o que é
essencial nesta proposta de Lévi-Strauss e qual sua relação
com a proposta de iek. Primeiramente, gostaríamos
de evocar a afirmação de Lévi-Strauss de que os
mitos são um meio de articular uma impossibilidade. Isto é,
duas relações contraditórias entre si são
paradoxalmente idênticas, pois cada uma porta sua própria
contradição interna.5 Segundo, que sua arbitrariedade
é somente aparente e que seu sentido é retirado das correlações
significativas que permitem “[...] submeter seu conjunto a operações
lógicas até chegar à lei estrutural do mito”.6
Na visão de Lévi-Strauss, todo mito é obra de uma
estrutura que apresenta uma variedade de formas de apresentação
que não são imediatamente acessíveis através
da interpretação: sua significação se origina
de uma combinação dos elementos da própria estrutura.
Assim, ele joga com a materialidade da estrutura lingüística
para sugerir que os mitos têm duas faces: não há
versão verdadeira de um mito e que este é um operador
de sentido.
Bem, o que esta análise do mito tem a ver com a teoria sobre
o cinema? Se o mito é um ser verbal, como enfatiza Lévi-Strauss,
os filmes são seres de imagem. Se há uma linguagem verbal
que permite dar conteúdo e forma ao mito, também há
toda uma linguagem do cinema: a montagem, os planos, os contra-planos,
os zooms, são a sua forma, são uma escrita em imagens
que tomam seu sentido, da mesma forma que o mito, pela articulação
das imagens entre si. Esta combinação é que fornece
o sentido que dá a ilusão da realidade e do próprio
apagamento dessa combinação. Da mesma forma que o mito
é uma espécie de discurso, os filmes também são
uma modalidade de discurso em imagens. Como os mitos, os filmes também
independem de qualquer tradução: não há
uma versão original nem do mito nem de determinado filmes, são
percebidos, ambos, de uma forma universal. Como os mitos, os filmes
têm uma forma vazia. É justamente a linguagem cinematográfica
a articulação entre as imagens que têm uma função
significativa, linguagem que faz o sentido “rolar”. O que
sustenta a ilusão do mito e do cinema, podemos já sugerir,
é a Ordem Simbólica. É a essa estrutura vazia que,
através dos filmes, pode-se chegar; ou seja, ao que há
de mais formal na teoria lacaniana: o grande Outro A, a cadeia significante
S1, S2, o sujeito dividido,
, e a fantasia . 7 De iek a Lacan...
Lacan
elaborou sua teoria afirmando que o Inconsciente é estruturado
como uma linguagem. Comecemos pelo grande Outro que Lacan escreve A.
Esta noção se funda na alienação do sujeito
a uma ordem simbólica prévia, constituída de uma
cadeia significante. Desta forma, todo sujeito falante é função
do significante, que se apresenta sempre como uma escolha forçada.
Seu aparecimento é um efeito da cadeia significante. Em outras
palavras, a Ordem simbólica é o Outro do sujeito onde
o universal e o particular se encontram numa estrutura moebiana. É
justamente este outro da linguagem que ordena nossa realidade, e como
efeito dessa estrutura o sujeito é a exceção, a
falha da estrutura, o que é o mesmo que dizer que o sujeito não
é senão o efeito de uma articulação da lei
simbólica ().
Essa articulação com e na ordem simbólica gera
um resto, que denuncia que falta um significante para que a cadeia se
complete: seu produto é o objeto a. O objeto a é justamente
o ponto de resistência, o ponto onde todo o sentido resiste, ponto
que Lacan denomina Real. Se o Real denuncia o excesso, o impossível
de significar tudo, os efeitos de significação provêm
da articulação entre significante e significado. É
a articulação puramente formal, significante, que produz
efeitos de significação. O significante puro, segundo
Lacan, sem a oposição com outro significante, não
significa nada. Desta forma, a significação é um
encadeamento interno ao próprio universo simbólico e sujeito
e objeto são ordenados pelo universo do discurso. Chegamos finalmente
à fantasia. Os efeitos de significação não
são senão articulações entre S1
e S2, que produzem ficções que sustentam
a realidade, cuja causa é tanto a Ordem simbólica como
o seu resto: o objeto a. Assim, nossa realidade só pode ser concebida
como ficcional, como uma articulação, da ordem do significante.8
É o Imaginário que dá consistência à
realidade, justamente porque oculta tanto a divisão do sujeito
como o objeto a.
A realidade fantasmática porta a marca indelével dos efeitos
de uma sutura entre o significante e seu núcleo real, o não-sentido.
Segundo Lacan, a fantasia tem uma lógica puramente significante,
sem um sentido prévio, que só se mostra depois de articulado
()
construindo um cenário, uma realidade tecida com significantes.
Segundo a perspectiva lacaniana, a lógica da fantasia não
porta uma significação prévia: seu valor de verdade
está nos efeitos que ela produz.
E
de Volta...
Slavoj
iek é conhecido por todos aqueles que se interessam
pela aplicação da teoria lacaniana na análise das
ideologias e, sobretudo, na rigorosa análise que se propõe
a fazer do cinema. O núcleo de sua análise são
os conceitos e os matemas lacanianos e como podem ser entendidos como
organizando o universo do cinema através da forma que os cineastas,
para retomar Peter Brooks, tornam visível o invisível.
Ou, em termos psicanalíticos, como o simbólico deixa sulcos
no Real. Ou como o Simbólico, estrutura prévia que permite
o encadeamento de imagens, pode dar uma consistência de realidade
a uma ficção, ou como o Real comparece como o inesperado,
no lugar onde a lei simbólica falha.
Segundo Jean-Claude Carrière, “o cinema pode literalmente
nos possuir: ele se apodera de nós, nos domina e manipula; e
ainda nos absorve e nos ilude”.9 Aquele retângulo feito
de fotos sucessivas nos faz ver um lugar dentro de nós mesmos.
Mantemos um vínculo tácito com a sucessão de imagens
no retângulo branco. Desconhecemos as conexões da montagem
no encadeamento da sucessão das imagens. Neste apagamento da
causa ausente, ou do Real, podemos acreditar na realidade de qualquer
ficção. Essa ficção é, ao mesmo tempo,
nosso espelho e um Outro radical que reflete a estrutura que nos constitui:
a ordem simbólica. Mesmo que saibamos que as imagens são
falsas, elas nos levam para uma realidade definitivamente mais real
que a própria realidade. Como acontece isso?
O mundo das imagens e das ficções é, também,
o mundo das contingências. A realidade e a fantasia (S?a), com
as quais nos iludimos e deixamos o cinema nos iludir, são importantíssimas.
Mas não as esgotam. A realidade e a fantasia são, como
já dissemos, ficções, efeitos de uma Ordem Simbólica
que nos ultrapassa e do objeto a que a descompleta. Com Lacan, iek
desloca a questão do conteúdo, da significação,
para mostrar a lógica da divisão entre o universal e o
particular, para elucidar as noções fundamentais lacanianas,
através de como a falha estrutural e estruturante da Ordem Simbólica
é tratada nos filmes. Tomaremos alguns exemplos da vasta obra
de iek para tornar o mais evidente possível o formalismo
que ele pretende introduzir na teoria do cinema. Na próprias
palavras do autor: “Lacan com Hitchcock e não o inverso.
Não se trata absolutamente de uma interpretação
psicanalítica de Hitchcock. Antes, a vontade de esclarecer certos
conceitos lacanianos pelos filmes, utilizados como ilustração”.10
Não é preciso ressaltar que o cinema tem uma linguagem
própria que tem que ser levada em conta. O filme é como
uma escrita que se escreve com a câmera. O próprio movimento
da câmera já produz um efeito de sentido. Seria talvez
suficiente relembrar o procedimento de Hitchcock quando combina exemplarmente
a forma e o conteúdo no travelling pelo pátio que introduz
a narrativa de Janela Indiscreta. Esse travelling se mostra completamente
adequado à narrativa que, segundo iek, terá
o olhar como personagem principal. Em Frenesi, o travelling que acompanha
criminoso e vítima já produz um efeito de sentido. A câmera
sobe as escadas acompanhando o casal, desce e pára na fachada
do prédio, passa pela gravata e pelo alfinete do assassino. Não
está nesse movimento formal da câmera todo o conteúdo
da narrativa?11 Os planos e contraplanos, travelling, zooms são
também uma linguagem; assim como a montagem, produzem efeitos
de sentido. Assim, é preciso estar alerta de que há um
formalismo aquém da própria imagem, que já é
uma potencialidade de significações.
Sendo o principal objetivo deste texto dar uma visão geral da
teoria lacaniana aplicada ao cinema por iek, esta, entretanto,
não pretende ser exaustiva. Nesta perspectiva, selecionamos alguns
textos à guisa de introdução e procuramos realizar
uma análise do filme A Moça do Brinco de Pérola
da forma preconizada por iek. Segundo ele não basta
dizer que a história do cinema desdobra sua essência, nem
que é um bric-à-brac de soluções sobredeterminadas.
É preciso, segundo ele, que haja uma análise conceitual.
Ressoando as palavras de Lévi-Strauss em relação
à análise dos mitos, iek enfatiza que uma
teoria do cinema deve dar o passo da multiplicidade empírica
à articulação “da totalidade concreta dentro
da qual cada solução particular funciona”.12
iek toma emprestado o conceito de sutura, um termo que Lacan
usou e que Jacques-Alain Miller13 conceituou, do qual se utiliza para
mostrar os efeitos de significação do sujeito, do objeto
e da fantasia na própria estrutura da linguagem cinematográfica.
Já dissemos anteriormente que o Simbólico é um
circuito que não se fecha (),
o que quer dizer que faltará sempre um significante que definitivamente
completaria a cadeia significante. Quanto ao Real, é este impossível
de significar. Entretanto, posso nomeá-lo. O Real dá forma
ao indizível, mas escapa à sujeição radical
e plena do significante. Nomear o Real significa, justamente, metaforizá-lo,
o que só é possível de dentro da própria
Ordem Simbólica. Se não temos acesso ao Real, ao menos
podemos tocá-lo pelo significante, contorná-lo. Podemos
fazer uma sutura, ou seja, uma relação entre a estrutura
significante e o sujeito. Entretanto, o próprio conceito de sutura
assinala a falha, a abertura da estrutura, ao mesmo tempo em que possibilita
que se (mal) perceba a totalidade da representação. Neste
sentido, a sutura designa o ponto de intersecção que se
insere como sua própria ausência dentro da Ordem Simbólica.
Qual é, então, a implicação desse conceito
na teoria do cinema e em que consiste, no cinema, a lógica elementar
da sutura?
Num primeiro momento, diz iek, o espectador é confrontado
com um plano, e o absorve de forma imediata e imaginária. Não
sabe ainda o que significa, encontra-se na posição passiva
diante do grande Outro que está oculto atrás da imagem.
Podemos identificar aqui o S1, ainda sem oposição,
à espera de um S2. O segundo plano, S2,
complementar, em vez de significar S1, representa
o sujeito, que é transferido do nível da enunciação
ao nível da ficção. É, portanto, a sutura,
a presença-ausência da imagem que cria o efeito de realidade
fantasmática, que emoldura o Real, articulando minimamente significado
e significante. Nessa sutura entre o visível e o invisível,
a fantasia ganha seu valor de verdade. É aqui suficiente lembrar
que esse valor de verdade advém de uma ficção discursiva
construída pelo próprio sujeito e que lhe fornece uma
ficção, a fantasia, como suporte. A realidade fantasmática,
ou o efeito de realidade do cinema, não vem senão desse
emolduramento do Real pelo Simbólico. O intervalo entre o Real
e o Simbólico é mediado por uma relação
imaginária que ordena a cadeia significante e fornece uma posição
de onde o sujeito pode se representar.14 Assim, a causa ausente, em
termos lacanianos, a radical impossibilidade de completar o sentido,
o objeto a, do processo pode ser suturada, apagada. O truque reside
no fato de que a realidade funciona moebianamente como se fosse uma
superfície contínua, apagando, na sua torção,
a marca desta operação.
Um exemplo de como o que deveria estar ausente do processo aparece em
cena é, segundo iek, a forma como Hitchcock denuncia
a continuidade da “sutura”, faz aparecer o objeto a, num
alerta de que a sutura é impossível, que ela é
sempre ficcional, fazendo o espectador perceber que a dimensão
fantasmática é uma “produção”.
Este procedimento aparece nos filmes de Hitchcock no olhar e na voz
como uma intrusão do Real. Seja na voz acusmática de Psicose
ou no olhar como ponto cego em Janela Indiscreta: o objeto fascinante
é o próprio olhar, e não a interpretação
do que se passa no pátio. Segundo iek, aí
aparece a função do objeto a que nunca se torna visível.
O procedimento de Hichtcock ecoa a teoria de Lacan, justamente porque
o que efetivamente falta é olhar como uma impossibilidade de
subjetivação. Outro exemplo paradigmático, dado
por iek, da voz enquanto objeto a, o impossível de
ser representado, o resto inassimilável da cadeia significante,
é o grito mudo da mãe, no filme O Encouraçado Potemkim.
Seu grito silencioso carrega o horror de um encontro com o Real.
O que está em jogo nesses filmes é a exposição
do objeto enquanto extimidade impossível de significar. Se há
algum sentido, se há uma significação, não
são mais que puros efeitos da “sutura”. É
esta dimensão fantasmática, suturada, que é denunciada
pelo objeto olhar e voz que dão corpo ao objeto a como o impossível
de apreender. O efeito de significação é dado pela
sutura que produz um efeito de continuidade do sentido e segue a lógica
da representação significante, S1
significado por S2. O sujeito se encontra assim
representado. A sutura é concebida, tanto na psicanálise
como no cinema, para apagar os traços da produção,
suas falhas, seus mecanismos, para que a realidade apareça naturalizada,
como um todo contínuo. O Real, que está presente em Hitchcock
e Eisentein, deveria ser excluído se S1
tivesse um S2, um suplemento artificial que gera
um efeito de realidade. A consistência da realidade fantasmática
e o apagamento do sujeito são obtidos pela exclusão do
objeto a. É esta exclusão que nos dá, como a psicanálise
nos ensina na vida e nos filmes, a ilusão de realidade.
Quando
S1 Chama S2 ou... A Moça do Brinco de Pérola...
No
filme A Moça do Brinco de Pérola (2003), o procedimento
de Peter Weber é completamente diferente. Ao contrário
de Hitchcock, Peter Weber faz questão de ocultar qualquer marca
da sutura. Pelo contrário, a forma que tem sua narrativa evidencia
a tentativa, bem-sucedida, diga-se de passagem, de apagar qualquer marca
da sutura entre um S1 um S2.
Em outras palavras, Weber busca apagar qualquer traço que resista
à subjetivação. Sua câmera é um olhar
que tudo pode subjetivar. O cenário é impecável,
a estrutura formal do filme é de uma pintura do século
17. A luz, o som, os planos e contra-planos buscam incessantemente um
efeito de significação, de sutura. Este proce dimento
tem como efeito uma significação que busca apagar a impossibilidade
de fechamento da cadeia significante numa totalização.
Esta sutura, este fechamento pode ser lido, em termos lacanianos, como
produzindo o efeito de continuidade desta história sobre o amor
e a sublimação. Contrariamente ao procedimento hitchcokiano,
o olhar e a voz aparecem aqui subjetivados.
No Seminário 11, quando Lacan fala da pintura e do olhar, ele
evidencia como o sujeito já é preso e manobrado no campo
da visão: ele é, sobretudo, olhado.15
O filme é formalmente estruturado para “pegar aquele que
olha”, como diria Lacan. Os fotogramas, os planos e a montagem
estão ali para nos mostrar que se trata da lógica formal
da estrutura significante, da representação, da sutura:
um S1, uma cena é sempre significada por
um S2. A forma é, também, o olhar:
a captação do olhar fascinado do espectador pela pintura
do século 17 que desenrola diante de seu olhar. É um filme
para descansar o olhar, como colocaria Lacan. O olhar está também
presente entre os dois personagens que estão restritos à
contemplação. Aqui toda divisão do sujeito é
apagada. Não há objeto excluído da cadeia significante,
que evidenciaria a incompletude da cadeia significante. A ausência
do objeto está sempre representada por uma multiplicidade de
objetos substitutos. O procedimento do cineasta aqui é prover
na cena uma infinidade de objetos substitutos, ou, dito de outro modo,
objetos significantes, substitutos do objeto a. Objetos “mágicos”,
porque dão uma continuidade à narrativa, como o brinco
de pérola dá continuidade ao quadro.
Muito ao contrário do objeto do quadro “Os Embaixadores”
do qual Lacan analisa a estrutura anamórfica no Seminário
11. Se o objeto anamórfico divide o sujeito quando ele o olha
do ângulo correto no quadro de Hans Holbein, os objetos de A Moça
do Brinco de Pérola refletem o efeito de sutura, produzem um
efeito fantasmático, dão as coordenadas do desejo.
Como o desejo se fixa no quadro? Ou, em outras palavras, como o objeto
a não aparece no filme? Ele aparece velado numa série
de objetos substitutos. Desde a forma precisa com que as verduras são
arrumadas no prato, no início do filme, nos pratos de porcelana
Delft do banquete, nos talheres de vermeil corretamente enfileirados,
e acima de tudo nos quadros, muitos quadros, que aparecerem por todo
canto da casa. Peter Weber mostra, em cada fotograma, a moldura, a forma
e a estrutura da pintura com absoluto controle do espaço e da
luz. Nada parece forçado, mas tudo é produzido. Vale a
pena lembrar que, para Lacan, quando se trata do olhar, é a luz
que nos dá o fio, é ela que demarca a imagem e a imagem
é sempre ilusória. Como diz Lacan no Seminário
11, “nesta matéria de visível, tudo é armadilha...”
Podemos tomar como um dos eixos do filme, como objeto central do filme,
como a metáfora apropriada para o procedimento do cineasta a
câmera obscura. É este o artifício que, no filme,
aparece como o artefato que transforma o invisível em visível,
o que ela produz é uma imagem. Talvez todo o efeito de sutura
esteja condensado em torno deste objeto: câmera obscura. O efeito
de sutura, de apagamento das marcas que aparece nesse artifício
de se fazer um contorno na pintura e de produzir um efeito imaginário
no cinema, tem numa câmera obscura uma função central.
Ela é a metáfora exemplar de como o Real pode se tornar
realidade, como se pode projetar uma imagem de um objeto externo numa
tela de uma sala escura.16 É paradigmático que esse artifício
sirva tanto para Vermeer quanto para Weber. Talvez não seja sem
razão que tanto para Vermeer quanto para Weber a câmara
obscura seja tão central. Uma câmera obscura serve para
eliminar as dificuldades com a perspectiva e projetar cenas permitindo
ao artista traçar o contorno correto antes mesmo de começar
a pintura, esboçando os objetos em cena, sua forma e seu tamanho.
Seria suficiente aqui relembrar que para Lévi-Strauss o mito
tem duas faces: não há versão verdadeira e ele
é um produtor de sentido.
A metáfora da câmera obscura serve para Weber como uma
garantia da significação, uma exclusão do objeto
a. Tanto para Vermeer quanto para Weber, a câmera obscura permite
apreender e contornar numa moldura o que parece escapar como objeto
a. A câmera obscura pode ser a metáfora apropriada para
o grande Outro que dá garantia à significação.
Podemos ver aí, também, um modo de apagar a sutura entre
um plano e outro, uma forma de impedir o fading do sujeito. Ele estará
aí sempre representado. A repetição é a
repetição do significante. A repetição é
um retorno da representação da representação,
um enquadramento do quadro num filme sobre um quadro.
Nos filmes de Kieslowski, Lynch e Hitchcock, a repetição
é compatível com um retorno do real, uma aparição
do objeto a excluído. Este efeito é obtido por um plano
S1 sem o contra-plano S2,
ou seja, não há um segundo plano para ressignificar o
primeiro. Em outras palavras, é a estrutura, a forma do filme
que permite que o percebamos como realidade, de onde o Real parece ter
sido excluído.
Para retornar ao filme A Moça do Brinco de Perola e no que consideramos
a metáfora central, podemos considerar que a câmera obscura
desvela, de certo modo, a maneira formal como o filme se estrutura.
Tanto a câmera escura no contorno das pinturas quanto as suturas
invisíveis do filme tornam a estrutura, as suturas invisíveis.
É por isso que a cena parece como uma unidade aparente, que os
traços da sutura são apagados pelo entrelaçamento
dos significantes. Significantes e câmera obscura produzem um
suplemento fantasmático com o entrecruzamento dos significantes,
das imagens que se ressignificam.
O olhar como objeto a, entretanto, não se encontra totalmente
ausente da estrutura do filme. Este pode ser lido como a produção
de uma ficção entre a repetição de um retorno
do real na forma do olhar como um puro objeto a. Como poderia ser lido
este procedimento? É como se a narrativa se passasse entre duas
cenas repetidas, duas encruzilhadas onde o objeto a se apresenta como
um olhar. Trata-se da repetição da mesma cena no começo
e no final quando Griet é filmada do alto, no centro de uma rosa-dos-ventos.
A cena é filmada do alto por um olhar que olha, sem sentido.
Essas duas cenas mostram que há uma falta que não será
nunca preenchida. O efeito desse plano é de um puro S1 que se
repete sem sentido. Podemos ver aí o sujeito sem um significante
para representá-lo? Estas duas escansões evidenciam a
afirmação lacaniana de que o olhar faz parte da estrutura
do quadro.17 Ou melhor, o olhar é que estrutura a cena. Assim,
é esse olhar formal de Peter Weber que estrutura o filme entre
esses dois momentos.
Esta leitura permite elucidar que o objeto a está ausente como
uma extimi-dade, mas que estrutura a construção da cena
fantasmática. Entre esses dois momentos, o objeto a aparece velado
no encontro de objetos do desejo.
A pintura, segundo Lacan, é um anteparo para o olhar como objeto
a, o filme pode ser lido, de forma comple-mentar, como um anteparo ao
Real, a construção de uma estrutura fantasmá-tica
entre duas faltas. O filme mostra como a falta pode ser suturada por
uma ficção bem acabada. Dito de outra forma, o filme pode
ser lido como Weber produz uma realidade fantasmática para dar
conta de que há algo que falta. O que iek ressalta,
justamente, é a noção lacaniana de sutura que é
concebida, assim como a fantasia, para apagar as marcas de sua própria
produ-ção. Esse apagamento provê, justamen-te, a
invisibilidade da própria estrutura formal que sustenta a realidade.
Desta forma a realidade pode parecer natura-lizada, como um todo contínuo,
onde o real está apagado pelo significante. Já mencionamos
antes, mas vale relem-brar que esse efeito é obtido pela estru-tura
moebiana que, na sua torção, apaga as marcas da sutura.
O contraponto de A Moça do Brinco de Pérola de Weber poderia
ser A Estrada Perdida (1995) de David Lynch, onde o real não
cessa de não se inscrever, mostrando a todo momento, a contingência
e a precariedade da realidade. O procedimento de Weber é diferente,
o real deve estar velado, todo S1 deve ter seu
S2, um suplemento artificial, um objeto, uma câmara
obscura que gera um efeito de sentido deve ser colocado em cena. É,
por exemplo, o brinco de pérola o objeto que fornece consistência
à fantasia, objeto do desejo, objeto substituto obtido pela exclusão
do objeto a. Podemos localizar no brinco de pérola o outro objeto
central do filme que produz um efeito de uma possível existência
de uma relação sexual. Um suplemento que falta à
pintura.
Se a fundação da realidade tem como efeito o esvanecimento
do sujeito, como nos ensina Lacan, a divisão do sujeito como
espectador está formal-mente excluída do filme. O espectador
está incluído na cena. Lacan diz melhor: “... é
no fundo do meu olho que o quadro se pinta. O quadro está certamente
no meu olho. Mas eu, eu estou no quadro”.18 Assim o filme torna
possível a confrontação de duas lógicas
impossíveis, como propunha Lévi-Strauss: Weber toma a
posição do princípio do prazer e busca entre duas
impossibilidades, encenadas nas duas cenas da rosa-dos-ventos, do sujeito
se representar totalmente, buscando excluir tudo que poderia perturbar
os cruzamentos do significante e o além do princípio do
prazer, ou o encontro com o objeto.
O filme de Weber serve, fundamentalmente, para ilustrar a função
do quadro que, segundo Lacan, se “oferece como pastagem para o
olho”. Poderíamos ver nesse filme o convite do pintorcineasta,
explicitado por Lacan, a condensação de tudo em que se
possa repousar o olhar para “alcançar os efeitos pacificadores,
apolíneos, da pintura. Algo é dado não tanto ao
olhar quanto ao olho, algo que comporta abandono, deposição,
do olhar”. 19A escolha formal por um certo modo de olhar eleito
por Weber tem como intenção central apagar a insatisfação
da pulsão escópica. Sua obra se destina a satisfazer a
pulsão. O olhar de Weber é uma posição que
permite ao sujeito, cineasta ou espectador, de certa forma, tentar se
inscrever sem a barra através de um pacto com a Ordem Simbólica
numa forma de ficção. O espectador “está
no quadro”, ele realmente “acredita” na relação
sublimada entre Griet e Vermeer. Esta ilusão de realidade naturalizada
não é senão o efeito da díade S1-S2,
que possibilita um significante representar o sujeito para outro significante.
A tese fundamental de Lacan é que a fórmula da fantasia,
em sua vertente imaginária, sustenta o sujeito numa representação
(S1), vela o objeto a, que representa o sujeito
para um S2, para um outro significante. É
esta a trama significante que dá consistência à
“realidade”.
Mas há ainda uma outra leitura, não menos exemplar, para
o filme de Weber. Trata-se da sublimação.
Segundo Freud, a sublimação é um dos destinos da
pulsão. Não se trata de uma relação imaginária
com um objeto idealizado, como no narcisismo. Na sublimação
trata-se de uma relação com das Ding, relação
marcada por uma impossibilidade: o objeto da sublimação
é produzido diretamente do Real para o Simbólico, nos
termos lacanianos. A dimensão da sublimação no
filme merece, também, ser tocada. A sublimação
é, nas palavras de Lacan, onde “a Coisa aparece nos campos
domesticados pelo significante”.20 O que está em jogo na
sublimação é que das Ding é a falta radical
do objeto cujo cerne principal é a noção de vazio,
pensado como efeito do significante sobre a Coisa ou, a impossibilidade
de uma completude totalizante com o encontro do objeto de satisfação.
A obra de arte apareceria, então, como esta “outra coisa”
no lugar de das Ding. O objeto de arte, no caso particular que estamos
tratando: das duas representações da moça do brinco
de pérola, a de Vemeer e a de Weber, pintura e filme, são
objetos inaugurais substitutos, são as coordenadas de seu estatuto
como obra de arte. Este objeto não é um objeto qualquer,
ele produz um sentido, já possui as coordenadas do desejo. Não
é preciso lembrar que há coordenadas mercantis para um
objeto de arte, um objeto que “é elevado à dignidade
da Coisa”21. Haveria dúvida de que se trata aí também
das coordenadas do desejo?
Diante de uma obra de arte, o sujeito se interroga sobre o enigma do
desejo. Há algo enigmático na obra de arte que interroga
o sujeito de uma outra cena de seu próprio ser. Não fica
evidente que isto acontece com Griet? E com o espectador de um filme?
A obra de Vermeer exige dela uma interpretação de seu
próprio desejo. O que ela pode saber, no encontro com a obra
do seu patrão, das coordenadas de seu desejo: coordenadas já
inscritas nos ladrilhos pintados por seu pai? Vemos que no final do
filme, o enigma por trás da construção fantasmática
permanece intacto. A entrega final dos brincos de pérola não
demonstra, suficientemente, a permanência do enigma do desejo
do outro?
E quanto à sublimação?
Michel Silvestre22 ressalta que a sublimação é
um processo circular, como o circuito da pulsão: sempre retorna.
Não devemos esquecer que o traço próprio da sublimação
é a falta do objeto. Daí a sublimação ser
um circuito que se apóia no gozo. Quanto ao objeto, trata-se
da construção de um objeto por uma via particular que
produz um objeto sublime, uma obra de arte. Essa produção
tem um nexo estreito com a impossibilidade de satisfação
da pulsão, o que implica que o objeto do desejo se apresenta
numa série infinita de objetos substitutos. Griet constrói
com Vemeer a via particular de um objeto sublime, substituto do objeto
pintado por seu pai: o quadro da moça do brinco de pérola,
vindo direto do Real para o Simbólico.
Segundo a psicanálise, a sobreestimação do objeto
produz uma ilusão denominada amor, justamente porque o obstáculo
à satisfação é sempre sexual. Mas, segundo
Lacan, nem roda sublimação é possível. Há
algo na coisa que resiste à sublimação, pois há
uma certa dose de satisfação direta que é exigida
pela pulsão: esta satisfação impossível
de ser sublimada aparece no corporal da relação sexual
com o namorado, aí onde o corporal se dá a ver no lugar
do significante. O obstáculo sexual que aparece entre os personagens
mostra que a sublimação é a suspensão sempre
adiada da satisfação sexual, em nome do amor à
arte e da ilusão fantasmática de completude. Não
é difícil aceitar que, como bem demonstra o filme em relação
ao sexual, embora o corpo esteja implicado, mesmo como um significante
emoldurado num quadro, ele continua sempre enigmático.
O corpo não tem no filme o peso do real, o corpo está
lá para ser representado, a falta de objeto não é
para ser substituída por um corpo: a falta de objeto é
para ser contornada pela pintura. A não-relação
sexual é emoldurada em cores, pérola e luz: o objeto sexual
é impossível, mas não sua representação.
Weber procede de forma a evidenciar a falta radical do objeto e a impossibilidade
da relação sexual com a intocabilidade e a inacessibilidade
do corpo: o close-up das mãos na mesa misturando tintas é
difícil de esquecer. Mãos tão próximas e
tão intocáveis, inacessíveis. As tintas se misturam,
as mãos não. O que torna a sublimação complexa
é que não se trata de recalcar a pulsão sexual,
mas relançar a pulsão. O paradoxo da sublimação
se encontra justamente no fato de que, ao mesmo tempo em que a pulsão
é relançada, ela busca escapar do registro pulsional.
A cena paradigmática que desvela esse paradoxo é a exibição
da boca erotizada, mas abandonada em proveito do significante; a pintura
dos lábios úmidos é no quadro que ficariam registradas
suas coordenadas.
Assim, na sublimação, o que está em jogo é
a produção de um significante adequado ao sentido. Não
fica claro que Griet e Vermeer estão em busca do sentido da arte
e na busca por um objeto que possa ser colocado de forma sublimada no
lugar vazio de das Ding?
Keywords
Psychoanalyse – Cinema – Imaginary – Real –
Symbolic – Subject – Big Other – object a –
Fantasy
Abstract Psychoanalysis is mostly interested in moving pictures that put in perspective
the fundamental psychoanalytical concepts. Cinematographic language
provides a rich illustration of the fundamental concepts of the lacanian
theory, rather than an object for interpretation. Having the analytical
proposal of Slavoj iek to analyze the lacanian concepts
in moving pictures in the background, the kernel of this essay is to
highlight the movie makers proceeding where the lacanians concepts comes
to light such as the Big Other, Object a, Barred Subject and Fantasy.
1 CARRIÈRE, Jean-Claude.
A linguagem secreta do cinema, p. 32.
2 Segundo Luis Buñuel, “O cinema é o mais admirável
instrumento conhecido para expressar o mundo dos sonhos, da emoção
e do instinto. O mecanismo cria a imagem cinematográfica. É
a forma de expressão humana que mais se assemelha ao trabalho
da mente durante o sono. Um filme pode ser uma imitação
involuntária do sonho. Como num sonho, as imagens aparecem e
desaparecem em dissoluções e o tempo e o espaço
se tornam flexíveis. É o momento em que a incursão
noturna do inconsciente começa nas telas e nas profundezas do
ser humano”. Citado por Jean-Claude Carrière. p. 91.
3 Um filme é, por exemplo, classificado de noir, simplesmente
porque se “sente” que é. Forma de análise
que iek acredita ser limitada à intuição
e à pura classificação. IEK , S. The
Fright of Real Tears. BFL, London: 1995.
4 LÉVI-STRAUSS, J.C. Antropologia estrutural. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro, 1967.
5 Segundo Lévi-Strauss, o mito permite exprimir uma impossibilidade,
porque é justamente através da linguagem que é
possível reunir dois pólos contraditórios, daí
sua eficácia permanente. Em suas próprias palavras: “o
mito é linguagem [...] onde o sentido chega a decolar do funcionamento
lingüístico sobre o qual começou rolando”.
LÉVI-STRAUSS, idem, p. 242.
6LÉVI-STRAUSS, J.C. (idem), p. 252. Grifo do autor.
7 Vale ressaltar que é a operação de separação
de uma prévia alienação significante que podemos
ter um S1 e seu múltiplo S2, a cadeia significante, o sujeito
e o excesso: o objeto a.
8 LACAN, J. Ciência e verdade, p. 24, in Escritos, 1989.
9 CARRIÈRE, J.C. A linguagem secreta do cinema, p. 76.
10 IEK, S. (org.). Tout ce que vous avez toujours voulu
savoir sur Lacan sans jamais oser le demander A Hitchcock. p. 9, 1988.
11 Outro modo cinematográfico de significar aparece de modo exemplar
nos planos e contraplanos, o que em linguagem lacaniana poderíamos
traduzir como S1-S2. Se há um plano S1 sem o contra-plano S2
há um efeito de sujeito, um efeito de abertura a todos os sentidos.
O espectador preenche este não-sentido com seu próprio
S2, ou seja, subjetiva a cena ausente. Ou em termos freudianos: preenche
as lacunas da memória.
12 IEK, S. The Fright of Real Tears -Krzysztof Kieslowski-Between
Theory and Post-Theory, p.25. London: BFL, 1995.
13 Citado por iek, idem.
14 “Na sutura, a diferença entre imagem e sua ausência
é mapeada dentro da diferença intra-pictorial entre dois
planos. IEK op.cit. p.32. Exemplo dado por iek
é a absoluta certeza que os espectadores têm do rosto do
Bebê de Rosemary, que jamais foi representado, mas que se tornou
uma imagem justamente por sua ausência. No segundo plano que está
ausente, quando os personagens se debruçam sobre o berço
o sujeito pode representar o bebê numa imagem que esteve sempre
ausente. Vale lembrar a frase de Casablanca “Play it again, Sam”,
que Rick nunca pronunciou, mas que todo mundo “ouviu”.
15 LACAN, J. O seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais
da psicanálise, p.91, 1998.
16 A câmera obscura é um artifício óptico
simples para ajudar os pintores. Ela projeta a imagem de um objeto na
tela. Consiste essencialmente de uma câmara escura tendo uma pequena
abertura em um dos lados com uma lente, através da qual um objeto
externo é formado na face oposta da câmera. Enclypaedia
Britannica.
17 LACAN, J. O Seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais
da psicanálise. p. 94, 1998.
18 LACAN, J. Idem, p. 94.
19 LACAN, J. Idem, p. 99.
20 LACAN, J. O seminário 7: a ética da psicanálise,
p. 141.
21 LACAN, J. Idem. p. 141.
22 SILVESTRE, MICHEL. In Mañana el psicanálisis. Buenos
Aires: Manantial, 1987.
Bibliografia
CARRIÈRE, J-C. A linguagem secreta do cinema.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995.
ENCICLOPÉDIA BRITÂNICA. London: William Benton, 1963.
LACAN, J. Ciência e verdade. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1998.
LACAN, J. O seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais
da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988.
LACAN, J. O seminário, livro 7: a ética da psicanálise.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988.
SILVESTRE, M. Mañana el psicoanálisis. Buenos Aires: Manantial,
1987.
STRAUSS, L. Antropologia cultural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
1967.
IEK, S. The Fright of Real Tears Krzysztof Kieslowski. Between
Theory and Post-Theory. London: BFL, 1995.
IEK, S. Tout ce que vous avez toujours voulu savoir sur
Lacan sans jamais oser le demander a Hitchcock. Paris: Navarian, 1988.