Resumo:
Poesia, psicanálise e tradução possuem um ponto de intersecção a metáfora. Para as três podemos escolher como alcançar este objetivo. O autor lê dialeticamente a tarefa dos tradutores, poetas e psicanalistas, cada qual com os seus problemas essenciais, dúvidas e inconclusões. Abstract
Poetry, Psychonalysis and Translation have an intersection point – metaphor. For the three of them, it is the way they may choose to try to come to the aim. The author reads dialetically the task of translators. Poets and psychoanalysts with the essencial problems, doubt and inconclusions of each one.
O que poderia haver de comum entre os três? Onde a essência de cada um deles?
O poeta é tão velho quanto os tempos. O começo de tudo, diz a Sagrada Escritura, é a palavra – “No princípio era o Verbo...” O primeiro tradutor conhecido foi São Jerônimo, tradutor da Bíblia e patrono dos tradutores. Freud, o inventor da psicanálise, valeu-se muitas vezes dos versos dos poetas. Cita freqüentemente, entre outros, Friedrich Schiller, William Yeats, Homero, em sua obra e recomenda que aos poetas se recorra para entender a feminilidade. O tradutor traz a voz do poeta para que o mundo inteiro conheça. O analista descobre o sujeito do inconsciente na sua eterna submissão à palavra e ao desejo, o ser que se faz humano pela cultura porque pode falar com palavras.
Por mais incrível que possa parecer é o instrumento de trabalho, a identificar os três misteres. Todos eles trabalham a mesma matéria-prima, mas cada qual na sua forma específica de trabalhá-la, dando-lhe destinos diversos e formas variadas. É a metáfora o instrumento de trabalho do poeta, do analista e do tradutor. Metáfora que o poeta faz surgir do cotidiano, do real e da singeleza da vida. Pérolas que descobre incrustadas no comum e no trivial. O poeta faz belo o vulgar e desvenda a beleza invisível. Metáfora que o analista interpreta e escande no sonho, na fantasia, no discurso e no sintoma para fazê-los acessíveis ao cliente, tonando-os legíveis e inteligíveis mas sobretudo passíveis de serem abordados. Do mesmo modo que o poeta e o analista traduzem, cada qual a seu modo, as metáforas, o tradutor as re-cria, re-lê e re-inventa em seu texto, procurando, muitas vezes aturdido e angustiado, recuperar algo da beleza ou da essência iniciais para transmiti-las ao novo leitor. A metáfora para o tradutor está basicamente nas palavras mas sobretudo na materialidade da sua forma, nos aspectos visuais e em seguida nos sonoros e rítmicos. O analista conhece primeiro o significante em seu aspecto sonoro ainda quando dele se valha o seu cliente para reproduzir as imagens pictóricas do sonho. O poeta brinca com a palavra, ao mesmo tempo, na sonoridade, no ritmo e na imagem. A condensação para ele é indissolúvel. Mas essa condensação, o analista tem que des-fazer sem des-truir, separando os elementos até reduzi-la ao mais simples, ao significante primeiro. E essa mesma condensação o tradutor escande exaustivamente para criar na língua de chegada, a expressão mais próxima do belo, do fiel e a mais pura de que for capaz sem repetir apenas, mas re-criando o novo, sem des-pedir-se inteiramente nem des-prezar totalmente o texto da língua de partida. O poeta canta as emoções, traduz-lhes o brilho, o calor, o colorido. As palavras não bastam em si mesmas para o tradutor. Em suas escolhas ele busca o tom, a luminosidade e vibração que permite ao leitor uma leitura enriquecida e lacunar do seu texto, suscitando novas leituras e emoções. O analista perfunde o discurso que escuta do seu cliente, com um saber que vai permitir a esse cliente, a leitura das suas próprias emoções.
Todos eles divisam a abstração do concreto, aguçam os sentidos e permitem ver além do simples olhar. O tradutor traduz o mundo para o homem, o poeta traduz o homem para o mundo e o analista permite ao homem traduzir-se a si mesmo. O poeta reflete o mundo, o tradutor reflete os vários mundos e os interliga, o analista permite ao seu cliente refletir-se para refletir o mundo de si mesmo. O poeta materializa, humaniza ou coisifica a palavra, o tradutor, vítima das trapaças e armadilhas da palavra, luta para vencê-las e passá-las adiante em novas palavras. O analista a utiliza nos seus engodos e tropeços para permitir ao sujeito encontrar a verdade.
O poeta permite ao leitor brincar com as palavras, sílabas ou frases para desfrutar do texto a seu bel-prazer. O tradutor utiliza o máximo que pode da polissemia do seu texto para, resgatando o essencial do primeiro, recriar o seu. O analista condensa numa interpretação a polissemia do discurso analítico. Para os três o texto é sempre inesperado.
Têm estes três um modo especial de escuta, por ouvirem nas entrelinhas; a escuta do psicanalista vai pontuando, marcando e recortando o texto do cliente. A escuta do tradutor vai pontuando, marcando e reescrevendo o texto primeiro, como um palimpsesto. A escuta do poeta é a escuta do mistério, do belo e do prenúncio. O psicanalista escuta o não-dito. O poeta vê o não-visto e o tradutor lê o não-escrito.
Voz própria não tem o analista, como não a têm o tradutor ou o poeta. Cada um deles escuta; o analista, o seu cliente, o tradutor o texto de um outro e o poeta a escritura da própria vida. E cada um deles fala em nome de quem ouve ou permite que possam outras vozes ecoar.
O poeta constrói com o leitor um espaço mágico onde as palavras se tornam animadas. O tradutor constrói com o leitor as pontes de conexão entre dois mundos diferentes fazendo-os às vezes parecer quase iguais nas diferenças. O analista constrói com o cliente o espaço do inconsciente, atemporal e desconexo, capaz das maiores contradições.
Para os três o texto soa como algo inacabado e transitório, algo de um saber inacabado, incompleto, que os faz cientes da sua falta e incompletude, capazes de promoverem todos três, a eterna possibilidade de criação.
Bibliografia
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