Resumo:
A partir de sua experiência clínica e de suas leituras, o autor discute sobre os momentos de arte na prática analítica.
Muito já se escreveu sobre a influência recíproca entre arte e psicanálise. Desde Freud as obras de arte, quer literárias, plásticas ou dramatúrgicas, são analisadas, interpretadas e apreciadas indicando um ideal comum, ou seja, o de dar um sentido ao ser humano.
Minha abordagem deste tema se inspira no significado de arte dado pelo Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Brasileira de Aurélio Buarque de Holanda, que assim define o verbete arte: “conjunto de preceitos para a perfeita execução de qualquer coisa; livro ou tratado que contém esses preceitos; execução prática de uma idéia; perícia ou saber em usar os meios para atingir um resultado; belas artes; artifício, ofício, profissão; indústria; astúcia; habilidade; (Bras.) traquinada; travessura; acidente em conseqüência da travessura; desastre; mágica; magia; feitiçaria; prestidigitação”.
Considerando este preceito, vou me referir a uma arte específica, ao fazer psicanalítico que, apesar de reger-se por regras técnicas, nem por isto é menos surpreendente. Aliás, conforme Muniz Resende, o termo técnica provém do grego e significa justamente arte.
A teoria psicanalítica pode ser vista como um corpo de conhecimentos já bem estabelecido nas ciências humanas. E dentro dessa teoria da subjetividade, cheia de paradoxos e aporias, onde o avesso e o direito se intercambiam, se confundem e se continuam, está a prática psicanalítica como autêntica arte em busca da construção de sentidos. É nesta prática, neste construir que o sujeito mais se encontra, mesmo quando se sabe objeto descartável.
Comecemos pela atenção flutuante, conceituada como a parte do analista correspondente à livre associação do paciente. Parodiando Millor Fernandes, para quem “livre pensar, é só pensar”, podemos dizer que para livre associar é só associar, assim como para ter atenção flutuante é só flutuar.
Não há como ensinar alguém a ter atenção flutuante. Seria como ensinar as notas musicais a quem não tem talento musical. Neste caso nada aconteceria além do já conhecido. Flutuar enquanto o paciente associa é parte desta arte de esperar o fato selecionado (Bion). Algo que faz sentido. Algo que faz mais sentido.
No momento pontual em que o fato selecionado chega à consciência é que nos surpreendemos com essa capacidade de ouvir o inconsciente. O nosso inconsciente? O inconsciente do paciente? Ou o inconsciente comum entre os dois, como ensina Nasio. Portanto, o fato selecionado que dá sentido ocorre num lugar entre dois, no espaço transicional de Winnicott que, aliás, é o tópico da arte por excelência.
Outro momento da arte é o silêncio. No paciente pode significar resistência, acolhimento, elaboração, amor ou outras mil coisas. No analista o silêncio faz o inconsciente falar além do discurso vazio e da razão consciente, faz vibrar as cordas de seu próprio inconsciente, num momento místico de encontro carregado de ansiedade e sinalizando a vida e não a calmaria da morte.
Há silêncios que são muito especiais. São aqueles em que nenhuma palavra precisa ser dita, pois trata-se de um momento de comunhão, de dois em um onde basta um olhar, o murmúrio da respiração ou o bater do coração para que tudo seja compreendido.
Finalmente, o momento de suma dificuldade e por isto mesmo de extrema arte é o de saber a hora certa de intervir. Aqui lembro de uma paciente que me ensinou uma fórmula cheia de verdade apesar de redundante: “se algo acontece antes do tempo, é prematuro; se acontece depois, é tardio. Só há um tempo certo”. Este tempo somente a sensibilidade do analista e sua experiência ao longo da análise, quer no divã, quer na poltrona, pode apontar. É um tempo de arte.
Bibliografia
Ferreira, A. B. H. Pequeno dicionário brasileiro da língua brasileiro. Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 1975.
Freud, S. “Artigos sobre técnica”. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1969, v. XII.
Nasio, J. D. Psicossomática. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.
Rezende, A. M. Bion e o futuro da psicanálise.