Breve súmula de ateologia prática − Psicanálise e Religião −
A concise summa of practical atheology - Psychoanalysis and Religion


Anchyses Jobim Lopes*

Círculo Brasileiro de Psicanálise - Seção Rio de Janeiro
Endereço para correspondência

Ateísmo, materialismo e crítica à religião na obra de Freud. A importância destas idéias para conceitos-chave como: pulsão, sexualidade infantil, eu ideal e recalque. O método psicanalítico, continuação da maiêutica socrática, antagônico de dogma e texto sagrado. O método fundamentado numa ética ateísta: da falta, finitude e diferença. Psicanálise e simbólico; religião e imaginário. Uso da hipnose e do eu ideal pela religião.

Palavras-chave: Ateísmo de Freud, Ética psicanalítica, Imaginário, Figura paterna, Eu ideal.

ABSTRACT

Freud’s atheism, materialism and criticism of religion. The importance of these ideas to understand key concepts as: instinct, infantile sexuality, ego ideal and repression. The psychoanalytical method as extension of socratical maieutics, opposite to dogma and sacred text. The method as based on an atheist ethic: lack, finitude and difference. Pscyhoanalysis and the symbolical, religion and the imaginary. Religious uses of hypnosis and ego ideal.

Keywords: Freud’s atheism, Psycho-analytical ethics, Imaginary, Father-figure, Ego ideal.

 

 

[...] e junto com a crença em um único deus, inevitavelmente nasceu a intolerância religiosa [...] Este imperialismo se refletiu na religião, como universalismo e monoteísmo.
Sigmund Freud (Moisés e Monoteísmo)

Mas afinal, por que falha o significante da religião?
Maria Angelina Khalil Aidé

 

Começo: Freud versus Pfister

A relação entre psicanálise e religião foi estabelecida e levada ao paroxismo pelo próprio Freud. Concorrendo com o pensamento de Marx, o nascimento da psicanálise dotou o século XX de uma segunda grande corrente de crítica à religião. Freud era declaradamente: ateu, materialista, tinha toda psyché como resultante de neurônios, rotulou a religião de grande neurose da humanidade e que o diabo nada mais é que a personificação da vida pulsional inconsciente recalcada. Suas idéias quanto à questão eram tão claras e seus textos tão contundentes que todas as tentativas posteriores de conciliação ficam entre o patético e a traição de suas idéias.

Mas, e quanto à correspondência entre Freud e o pastor Pfister (FREUD; PFISTER, 1963)? Tal pergunta sempre é feita quando se esboça alguma tentativa de conciliação. Amizade e respeito às diferenças lhes eram mais fortes do que a imposição das crenças. A leitura cuidadosa da correspondência entre ambos, não apenas revela a tolerância das idiossincrasias pessoais entre dois bons amigos, mas também que Freud não abre mão um milímetro de sua posição atéia e materialista. A amizade perdurou, apesar da estocada dada por Freud na carta de 25 de novembro de 1928: “Não sei se você percebeu a ligação secreta entre a “Análise Leiga” e a “Ilusão”1. Na primeira desejei proteger a análise dos médicos e na segunda dos sacerdotes”. E, em seguida, Freud delimita o campo da prática psicanalítica: [...] “uma profissão que ainda não existe, a profissão de curadores de alma laicos, que não necessitam serem médicos e não devem ser sacerdotes” (FREUD; PFISTER, 1963, p.126). A elegância e civilidade do diálogo Freud/Pfister pertenceria à história da psicanálise européia, não tivesse sido um diálogo freqüentemente utilizado no Brasil atual para justificar o injustificável.

Dissequemos a questão por partes: desde o cerne da trama teórica freudiana, passando pela confusão ocorrida no Brasil entre psicanálise e religião e, desta questão, como parte de outra, mais ampla, ressurgida na era da globalização. Este percurso conduz a localizar e conceituar, em diferentes campos, o discurso da psicanálise e o da religião. Por fim, o mais importante: o que podemos por meio desta grande confusão aprender para a clínica psicanalítica e a ética que lhe é indissociável?

 

Uma psicanálise sem Freud?!

As opiniões de Freud sobre a religião poderiam permanecer neste domínio mesmo, o das opiniões: pessoais, particulares, direito de todo cidadão. Contudo não o fazem por não serem apenas preferências individuais, mas parte central do arcabouço freudiano. Os textos críticos sobre religião, indo desde Totem e Tabu até Moisés e o Monoteísmo, são mais do que especulações sobre a cultura, mas integrantes de reflexões que partiram da clínica e retornaram à clínica. Textos cuja contestação nega a psicanálise como um todo. Foram escritos a partir de idéias que necessariamente derivam de conceitos como: pulsão, recalque, eu ideal e sexualidade infantil.

O conceito de pulsão (ou de seu representante), como intermediário entre o psíquico e o somático, deriva do materialismo ateísta de Freud, para quem não há mente sem cérebro e corpo, muito menos há alma ou espírito desencarnados. A sexualidade infantil, com sua perversão polimorfa, coloca a agressividade humana como constitutiva e não um desvio, assim como sendo universal a atopia do desejo, numa visão oposta à normatização do Velho e do Novo Testamento. Eu ideal, supereu e recalque: Freud sempre buscou compreender a culpa através da psicologia e da antropologia, não como meras auxiliares de alguma possível teologia, mas como explicações que desmontassem todo pensamento mágico e religioso. Tudo isto passando por texto cujo título dispensa comentários, Rituais Religiosos e Práticas Obsessivas, sem falar na adesão incondicional de Freud ao darwinismo.

Assim como a correspondência entre Freud e Pfister foi desvirtuada, tentar uma psicanálise, tanto em extensão quanto em intenção, negando os conceitos acima constitui mais que uma fraude, uma profunda ignorância do texto freudiano. Embuste que só pode ser praticado por meio de um ensino superficial, por apostilas, e sem o mais importante da prática clínica: a análise pessoal. E não apenas o texto de Freud tem de ser escondido, mas os de todos seus seguidores importantes: Abraham, Klein, Lacan, Winnicott, Bion e quantos mais sejam nomeados2, pois todos lhe seguiram em ateísmo e crítica à religião. Este engodo, um ensino de Freud sem seus textos, teria apenas feito parte da história das vigarices. História que sempre acompanhou a história da psicanálise e das várias correntes da psicologia, e que ficaria no baú das curiosidades, se em nosso país não tivesse se travestido da arrogância de tentar monopolizar a prática psicanalítica.

 

Um problema bem brasileiro

Nos últimos vinte anos vimos no Brasil o surgimento de instituições supostamente psicanalíticas fundadas por religiosos. Durante muito tempo, o fato não chamou muito a atenção da comunidade psicanalítica tradicional, cuja tradição é congregar um ruidoso saco de gatos. Foi quando, no início do atual século, surgiram no Congresso Nacional, para eventual apoio de parlamentares do lobby evangélico, tentativas de regulamentação da psicanálise beneficiando as instituições de origem religiosa. Mais além, aproveitando a não regulamentação da psicanálise no Brasil, e em antagonismo ao que fora escrito na carta de Freud a Pfister, os projetos de lei procuravam monopolizar a prática psicanalítica. Esta tentativa de monopolização, em detrimento de todo o saco de gatos que há décadas tradicionalmente compõe a psicanálise no Brasil, fez com que os gatos - por mais que rosnem entre si, pertencem a uma genealogia de comum de felinos3 - se unirem diante de um mesmo inimigo.

A apresentação dos projetos de lei mencionados foi uma curiosa imagem espelhada dos projetos anteriores de regulamentação, apresentados em décadas anteriores, nos quais também sempre advinha uma tentativa de exclusão: ou monopolizar a prática psicanalítica pelos médicos, ou um grupo de instituições igualmente tentava desqualificar aquelas julgadas menos ortodoxas ou heréticas. Mas em todos os casos, aplica-se o escrito de Lacan sobre o que chamou de três pontos de fuga da psicanálise, sendo aqui o terceiro ponto de fuga, no real, e que nos aparece através do fantasma de se fazer segregar (LACAN, 2003). Por ora fica o registro de que a reação dos psicanalistas tradicionais, sua luta para o arquivamento destes projetos, até o momento bem-sucedida, já pertence à história da psicanálise no Brasil.

Atenhamo-nos, portanto, ao que a tentativa concreta de usurpação da psicanálise implica para a prática psicanalítica. Mesmo porque, se os projetos de lei, por ora, foram arquivados, e se as supostas instituições psicanalíticas de orientação religiosa sofreram um efeito bumerangue, outro movimento surgiu. No caso de sociedades psicanalíticas que aceitam como candidatos à formação não médicos e não psicólogos, é crescente a procura de ensino por religiosos de diferentes denominações4. Pessoas bem intencionadas, muitas vezes críticas da precariedade do ensino nas instituições religiosas, que pretendiam o monopólio da psicanálise, mas não menos equivocadas.

Resgatando tal equívoco, chega-se aos dois outros pontos de fuga mencionados por Lacan: no imaginário e no simbólico. Refletir sobre a crise surgida pela tentativa de usurpação da psicanálise torna-se muito útil, obrigando a refletir sobre a especificidade do discurso e da prática psicanalíticas. Discurso e prática também sob a constante ameaça do festival de práticas: esotéricas, de auto-ajuda e pseudo científicas. Práticas exercidas muitas vezes por psicanalistas que são médicos ou psicólogos, constituindo práticas ilegítimas e ilegais diante dos olhos de seus próprios conselhos profissionais.

 

Um problema não tão brasileiro

O recrudescimento do fenômeno religioso, a nova capa dos nazi-fascismos, hoje rotulada de fundamentalismos, e o retorno da reação neo-iluminista, nada disso é exclusivo ao Brasil. Nos últimos dois anos, surgiram vários livros contendo ferozes críticas à religião, tendo por autores: pensadores anglo-americanos, biólogos darwinistas adeptos ou não da psicologia evolutiva, filósofos franceses da nova geração. Grande parte dos títulos foi publicada no Brasil, principalmente nos últimos meses de 2007 e, de modo surpreendente, à semelhança de outros países, alguns títulos permaneceram semanas ou meses na lista dos mais vendidos: Carta a uma nação cristã (HARRIS, 2007) e The end of faith (HARRIS, 2005), Deus, um delírio (DAWKINS, 2007), Deus não é grande (HITCHENS, 2007), Quebrando o encanto (DENNETT, 2006), Tratado de ateologia (ONFRAY, 2007), O Espírito do ateísmo (COMTE-SPONVILLE, 2007)5.

Os títulos mencionados, de autores estrangeiros, são predominantemente jornalísticos, elencando e relembrando os usos e abusos da religião através dos séculos. Constituem exceções os títulos de: Dennett, Onfray e Comte-Sponville. Estes se aventuraram, mais que os outros autores citados, a formular teses – psicológicas, darwinistas, antropológicas, filosóficas – sobre as origens humanas e o recrudescimento contemporâneo da religião. Não nos cabe competência ou tempo para traçar aqui semelhanças e diferenças entre as idéias de todos esses autores e as de Freud, ou com as dos grandes críticos e estudiosos do fenômeno religioso, o poder e o totalitarismo: Bertrand Russel, Michel Foucault, Hannah Arendt. Apenas pinçamos algumas observações sobre o livro de Dennett que julgamos úteis para nossa breve súmula.

Embora Dennett (2006) cite Freud em uma de suas epígrafes, a psicanálise parece causar-lhe horror, o que torna mais interessante seu texto. Através de explicações da psicologia evolucionista e de experimentos estatisticamente controlados, Dennett chega a várias hipóteses sobre a origem e o poder da religião: surgimento a partir do animismo e do xamanismo, hipertrofia de características do pensamento e linguagem primitivos, uma forma de hipnose coletiva utilizando o carisma da figura de um pai. Essas são algumas das hipóteses de Dennett que, apesar de defendidas de modo completamente diverso, cheiram muito - até em excesso - familiares às de Freud. O filósofo darwinista também se pergunta: qual a relação entre imperialismo e religião?

Mais do que as outras hipóteses abordadas, a questão do pai faz com que coce a orelha de um psicanalista. Deixemos de lado os usos e abusos sociopolíticos do fenômeno religioso, para permanecer no experimento mais próximo, e não muito bem controlado, o do divâ. Os psicanalistas estão familiarizados com esta história, que parte da hipnose e a metamorfoseia em técnica psicanalítica, tanto quanto dos motivos pelos quais, ao trilhar este percurso, tivesse Freud escrito tanto sobre sua descoberta da busca universal por um hiperpai ultra-idealizado. Ele também nos transmitiu o alerta sobre como este anseio humano comum deixa a todos vulneráveis aos abusos possíveis da transferência, e como é fácil desvirtuar-se o rumo da prática psicanalítica.

 

Reflexões sobre a ética da Psicanálise

A psicanálise fundamenta-se no princípio socrático de que somente cada qual pode saber o que é melhor para si mesmo. Trabalha a partir do desvelamento da verdade que, cada um, sem saber, possui dentro de si. Trata-se do renascimento da maiêutica socrática: a arte do parto das idéias. Sócrates passou à história por ter formulado o princípio de que a verdade, que cada um traz dentro de si, à semelhança do bebê, seria naturalmente parida. Mas, para a maioria, há tantas idéias vindas de fora, assimiladas como se fossem próprias e esquecidas de sua origem externa, que o parto natural fica impedido. Para Sócrates, o trabalho do filósofo não era o de pontificar suas próprias idéias, mas apenas o de remover os empecilhos para que se dê o nascimento espontâneo da verdade de cada um. À semelhança de sua mãe, que era parteira de bebês, Sócrates era parteiro de idéias. Se o parto natural corre bem, o parteiro apenas contempla, é um inútil.

Mas Sócrates, através de sua dialética, ativamente questionava o interlocutor, ao passo que o analista deve ser um parteiro mais discreto: “o senhor cujo oráculo está em Delfos, não fala nem esconde: ele indica” (fragmento 93 de Heráclito de Éfeso, apud BORNHEIM, 1999, p.41). Como dizia Freud, enquanto o paciente está associando livremente, o melhor que o psicanalista pode fazer é ficar calado. Foi uma paciente – Emmy von N. – quem por sua vez indicou a Freud que se calasse, que não interrompesse a fala que emergia. Em seu primeiro relato de caso clínico, revela Freud: “Então ela disse de um modo decididamente irritado, que eu não ficasse lhe perguntando de onde isto ou aquilo tinha vindo, mas a deixasse contar o que ela precisava falar” (Studies on hysteria, FREUD, 1978, p.63, tradução do autor).

A mesma denúncia feita contra Sócrates é produzida contra vários discursos contemporâneos, incluso o da psicanálise: a negação de A Verdade conduz ao relativismo ético. Acusação típica de quem parte da existência de normas ditadas pelo divino, do qual o acusador é guardião. Podemos refutar esta acusação subscrevendo que:

No centro da discussão ética situa-se a questão da verdade, e a psicanálise não se furta a ela, entendendo-a, entretanto como verdade do desejo, imperioso e irredutível. Como tal é sempre parcial, não-toda, vinculada que está à metonímia do desejo, e, principalmente, particular, apresentando-se para cada um em sua especificidade íntima. [...] O que é universal é a diferença (RINALDI, 1996, p.68).

Afirmar a verdade como sempre parcial difere de uma defesa do relativismo ético. Freud e Lacan partem do princípio de que o ser humano é mortal e limitado, e o desejo impossível de ser satisfeito plena e permanentemente. A filosofia que embasa a ambos é a da finitude, do limite e da falta. Ambos compartilham de uma concepção trágica do homem, e da inalienável responsabilidade de todos os nossos atos, concepção em oposta à noção de que se não há deus, então tudo é permitido. Como somos portadores deste furo interno – dê-se-lhe vários nomes: falta, ferida narcísica, castração, não-ser, objeto a, a coisa, por exemplo -, também somos circunscritos externamente por uma linha em que o desejo alheio é o limite para o meu desejo. Não apenas Freud e Lacan, mas todos os nomes mais conhecidos da psicanálise – Abraham, Ferenczi, Klein, Winnicott, dentre muitos - partilharam desta compreensão trágica, pois sem ela não seriam psicanalistas. Freud, ele mesmo, defendeu a idéia de que sem a falta não haveria palavra. Tanto em Lacan quanto em Freud, o desejo está indissoluvelmente vinculado à lei que institui o simbólico, “ainda que para o primeiro esta lei indique, mais que uma proibição, a presença de impossibilidade” (RINALDI, 1996, p.69).

A maiêutica socrática buscava, por meio de um único diálogo, que o interlocutor reconhecesse a incoerência de seu discurso, e isto lhe permitiria construir um discurso próprio. À diferença de Sócrates, Freud procurava, por meio de pequenas intervenções, desobstruir a livre associação do paciente. Então, espontaneamente, é retomada a construção do discurso. Uma produção por meio de várias narrativas, que não são ouvidas como se fossem dotadas de um sentido unívoco, mas com vários sentidos. Isto pressupõe não apenas a existência de um sujeito desejante, mas sua multiplicidade. Mesmo que se tente reduzir toda fala à univocidade, a malha de significantes, mesmo sob uma aparência de totalidade, revela: suas falhas, seus duplos sentidos, suas antíteses, outros caminhos além daquele que aparenta. Se a psicanálise fosse perfeita, estaríamos quase inteiramente no registro do simbólico. Mas não apenas por fugir de um sentido unívoco, por fugir da idéia de que a psyché saudável seria um bloco compacto e, mais ainda, por não ser perfeita e por não ter um ideal por meta, a psicanálise foge de um simbólico puro e do discurso totalitário.

Se a psicanálise busca o registro do simbólico e de sua própria impossibilidade de absolutização, pergunta-se qual o objetivo da religião. Segundo Freud, a religião sempre busca o pai idealizado da infância: todo poderoso, onipresente e onipotente, infalível, garantia de completa segurança. Pai de um registro herdeiro de uma época do predomínio do narcisismo infantil e suas imagens, época de intensa ambivalência. A religião, ao menos suas vertentes monoteístas e ocidentais, está no registro do imaginário e na possibilidade do absoluto6.

 

Ilusões da transferência e delírios religiosos

Portanto a psicanálise, em qualquer de suas vertentes, encontra-se no pólo oposto ao da aplicação do discurso religioso do monoteísmo. Não há verdade externa, dogmática e atemporal. Não há livro sagrado ou revelação divina. No máximo um ou outro presidente Schreber mais popularizado. Encaixar alguém numa verdade que lhe é exterior constitui uma violência tão grande quanto a violência da psicologia do ego, ou de outras psicologias adaptativas. Carismaticamente persuadir alguém de que esta verdade revelada também poderia ser sua, configura uma forma de submissão, consiste em utilizar a transferência como arma em uma relação sadomasoquista; a mesma sujeição, o mesmo dispor aético do outro, que afastou Freud da hipnose. Além disso, a hipnose fora desmascarada por Freud quanto à instabilidade de seus efeitos terapêuticos, assim como da crônica dependência do submisso ao seu algoz a fim de renovar tais efeitos, uma vez que, de tempos em tempos, eles cessam. Muito útil se o propósito for extrair uma renda permanente da vítima. E não foram poucos os que na história da própria psicanálise rebaixaram-na a isto.

Com os Escritos sobre técnica (Papers on technique, FREUD, 1978), Freud resguardou que a transferência fosse reconhecida como um instrumento permanentemente sob o controle da ética. Um poder sobre o outro a ser utilizado com o máximo de cuidado, porque, a qualquer momento, pode converter-se em uma arma perigosa. O uso da transferência é quase sempre para denunciá-la, para desobstruir que ela mesma seja um dos principais obstáculos da livre associação e do parto. E não para tornar o outro um meio, um instrumento, para obter fins de satisfação pessoal do terapeuta. Uso que é legal e legitimamente vedado, até pelos códigos de ética profissionais.

E ao final de uma análise, deve ocorrer a dissolução possível desta névoa, desta turvação da realidade, que consiste na própria transferência. A aceitação de um pai que afinal foi o pai possível, mesmo que não tenha sido o rei dos contos de fada, o maior dos super-heróis ou deus. Já foi antes mencionada, a reiterada defesa de Freud da idéia de que a crença em deus é a procura eterna por uma figura de um pai. Uma figura que nos defendesse de todos os perigos e do acaso, das doenças e da morte, personagem que existe apenas como fruto da permanente quimera do desamparo. Mas se, por um lado, este pai superamado é apenas ilusão e idealização, por outro, a queda na realidade também nos livra de um pai onipotente, tirânico, distante. Se o amor ao pai que resulta do final de uma análise é apenas humano, demasiadamente humano, também fura o balão de um ódio de proporções divinas, de cóleras celestes e punições dantescas.

Mesmo a gratidão possível ao psicanalista, ao final de uma análise, tem de reconhecê-lo como um profissional (como em outra profissão bem mais antiga, e que também cobra afeto por hora) cujo trabalho deixou muito a desejar. Desidealização da análise e do analista, necessária para mitigar o mais possível identificações imaginárias. E para deixar uma sobra, este resto de desejo de análise que faz permanecer no inconsciente um movimento, após a alta, de manutenção do desvelamento, de continuidade do processo analítico, para que seja sempre mais poroso o filtro e mais fluido o desejar.

Aqui entra o abuso da aplicação da técnica psicanalítica, quando desprovida da ética que a transforma em psicanálise. Embora muitos religiosos, e muitos adeptos de terapias esotéricas, ao procurarem o conhecimento da técnica, estejam bem intencionados (apesar de, como diz o ditado popular, deles o inferno está cheio), o uso contrário à ética psicanalítica torna a técnica um instrumento totalitário. Os ideais totalitários não toleram exceção, diferença, falta. Os livros de filosofia de orientação católica, por exemplo, desdobram-se em sofismas ao tentar conciliar a maiêutica com a revelação divina, ou diretamente condenam o ideal socrático. O triunfo da vontade vem do texto absoluto, seja originário da revelação divina, seja daquele que sabe o que é melhor para todos, e dirige-se ao todo coletivo, configura o oposto a uma modesta e pessoal verdade socrática.

Como tudo no pensamento psicanalítico, entre os ideais totalitários e os culturais, a questão é muito mais de quantidade que qualidade. E os ideais culturais são embebidos de narcisismo, o que Freud já assinalava em 1927, ao iniciar o texto dedicado à crítica da religião: O Futuro de uma ilusão. Texto no qual Freud tenta salvar as aparências diagnosticando a religião como ilusão, até perpetrar uma escrita falha em que confessa: “ [...] minhas ilusões não são, como as ilusões religiosas, incapazes de serem corrigidas [...] não tem o caráter de delírios” (The future of an illusion, FREUD, 1978; p.53, tradução do autor). Mas em O mal estar na civilização, Freud abre o jogo: “As religiões da humanidade devem de ser classificadas entre os delírios de massa [...] desnecessário dizer que quem compartilha de um delírio, nunca o reconhece como tal” (Civilization and it’s discontents, FREUD, 1978; p.82, tradução do autor). Falando em narcisismo e delírio, falamos de psicose e imaginário: Deus, um delírio, título velho de gasto7.

Já descrevia a velha psicopatologia psiquiátrica que o delírio se constitui de juízos patologicamente falsificados: tais juízos trazem a marca da certeza subjetiva absoluta, da convicção interior inamovível e da incorrigibilidade, tanto por meio da persuasão lógica mais irresistível, como da evidência esmagadora dos fatos em contrário (NOBRE DE MELO, 1979). Desta definição depreendemos que fé e delírio fundam-se no mesmo tipo de juízo interior, totalizante e inquestionável: credo qui absurdum. Além do caráter megalomaníaco de todo candidato a presidente Schreber. Já a verdade socrática é sempre discreta e limitada, aberta pelas fendas entre os significantes e no seio dos próprios significantes, deslizando sempre para uma nova e provisória possível verdade, um simbólico sempre com furo e furado.

 

Identificação imaginária e Eu Ideal: Hipnose e Religião

Freud, no nascimento do método psicanalítico, abandonou a hipnose, tanto pelo vislumbre de uma percepção mais de vinte anos depois teorizada e escrita, de como ela era a sujeição sadomasoquista do hipnotizado ao hipnotizador, quanto pela percepção de que a própria hipnose era um obstáculo ao autoconhecimento, a que a verdade se desvelasse. Caso admitamos o desconhecimento de Dennett, sobre o papel da hipnose na história da origem da psicanalise, mais interessante são as conseqüências. Ao imputar em seu livro Quebrando o encanto (DENNETT, 2003) a importância da hipnose e da figura de autoridade do pai na infância, para a compreensão do fenômeno religioso, o filósofo do darwinismo contemporâneo não apenas subscreveu Freud por meio de outra teoria e experimento, mas também obrigou os analistas a repensarem, pela enésima vez, a função da transferência. Substituindo a hipnose pela livre associação e atenção flutuante, o predomínio do simbólico sobre o imaginário, a transformação do eu ideal em ideal de eu, Freud e Lacan deixaram a advertência de que, por ser o analista herdeiro do xamã, é necessária uma autocrítica permanente da prática psicanalítica.

Mas e o edifício teórico da psicanálise? Bastante claro é o fato de, desde o início, Freud ter escandalizado a moral e os bons costumes com suas idéias sobre a sexualidade humana. O que o tornou anátema de todas as religiões e totalitarismos ocidentais e orientais, e seus livros combustível para alimentar as fogueiras nazistas. Os vários autores críticos do fenômeno religioso, publicados no último ano, assinalam como as religiões têm em seu fulcro cercear a sexualidade. Mas, que resta à teoria psicanalítica sem os conceitos de: libido, pulsão, sexualidade infantil, neurose como negativo da perversão, etc.? Quanto à teoria, já dizia Lacan, no Seminário 22: R.S.I., que a consistência de todos os esquemas teóricos deriva do imaginário (LACAN, 1974/1975). Retirando-se da teoria seu apoio na clínica, e desta na questão da sexualidade, tendo Freud desde o início ancorado a sexualidade no Édipo, também recorremos a Lacan, no que denominou pontos de fuga da psicanálise, este aqui no simbólico, quando fala de que “[...] retire-se o Édipo, e a psicanálise em extensão, diria eu, torna-se inteiramente da alçada do delírio do presidente Schereber” (LACAN, 2003, p. 262).

Já o uso mais freqüente da hipnose e da transferência, pelo sacerdote carismático, possui a função de reforçar cada vez mais a figura de um pai imaginário hiperidealizado. Figura que, em primeiro movimento, brande como não sendo a sua pessoalmente, propondo-se um exemplo de humildade e devoção ao próximo, mas a de, por exemplo, um Jesus supertudo de pensamento positivo. Em tudo a semelhança com a caricatura, parcialmente verdadeira, do hipnotizador que distrai a atenção do paciente com um relógio, enquanto pelas bordas da consciência penetra em sua mente. Tal como um ventríloquo distrai a platéia de a voz não pertencer a si próprio, mas a seu boneco.

Freud demonstrou em Psicologia das massas e análise do eu (Group psychology and analysis of the ego, FREUD, 1978), como se formam os grupos, por meio de um líder erigido em pai ideal e colocado na posição eu ideal. Para Lacan, no imaginário está constituído o pai ideal, da unidade expressa no modelo identificatório narcísico da Sociedade Internacional, a da Igreja e do exército, ou seja, a estrutura de grupo, configurando outro dos três pontos de fuga da psicanálise (LACAN, 2003). Este eu ideal é a origem de uma identificação imaginária, produtor de supereu e recalque contra a sexualidade infantil. Como esta é indissociável do inconsciente, o movimento iniciado pela identificação imaginária, resultante em seu recalque, só permite que se extravase na forma de sintoma. Logo, o sexual em todo sintoma. Já afirmara Freud: “[...] e o diabo seguramente nada mais é que a personificação da vida instintual inconsciente recalcada” ( Character and anal erotism, FREUD, 1978, tradução do autor). E haja festivais de histeria coletiva para exorcizar sintomas.

Mas Freud vai além, recalcando em excesso, o supereu será acusado de mais: “Pensem no contraste deprimente entre a brilhante inteligência de uma criança saudável e os fracos poderes intelectuais de um adulto médio. Podemos ter certeza absoluta de que não é exatamente a educação religiosa que arca com uma grande parcela desta relativa atrofia?” (The future of an illusion, FREUD, 1978, p.47, tradução do autor). Alem do dano ao intelecto, dentre os autores contemporâneos citados, Dawkins (2007) é um dos que mais enfatiza a educação religiosa, antes que a criança tenha capacidade de discernimento, como um molde de preconceitos que serão carregados pela vida a fora. A ojeriza de Dawkins à psicanálise talvez não tenha lhe deixado acrescentar que os motivos dos piores preconceitos são inconscientes. Conclui o pensador darwinista: “Crianças pequenas são jovens demais para tomar decisões sobre suas opiniões a respeito da origem do cosmos, da vida ou da moral. O simples termo ‘uma criança cristã’ ou ‘criança mulçumana’ deveria soar como unhas arranhando uma louça” (DAWKINS, 2007).

O bom é que o imaginário também tem seu furo, mesmo na maior parte das psicoses, ou não funciona a contento sobre tudo, ou não funciona o tempo todo. Aqui o significante da religião tenta pedir reforço ao da psicanálise. Ao inverso do psicanalista, que tem por meta final a dissolução possível da transferência, o religioso tem por meta o contínuo reforço e manutenção da transferência. Não por acaso, a experiência pessoal nos brindou com o conhecimento de entidades supostamente psicanalíticas, que reduziam a psicanálise a um conjunto de apostilas, mas liam diretamente um antigo e extenso compêndio de técnica de autoria de um psicanalista de gerações passadas da IPA. Assim como a sorte nos agraciou ter várias vezes escutado, de religiosos de diferentes denominações, a afirmação que desejavam fazer formação psicanalítica “para entender melhor da transferência”. Escutamos aí o pedido de reforço das identificações imaginárias e de fortalecimento do eu ideal.

 

Finalmente: Psicanálise – a Irreligião?

Ao início de alguns tratamentos, em pacientes com sintomas muito graves, ou em situações em que uma crise é muito intensa, costuma ser válido ao psicanalista apelar para técnicas como: aconselhamento, apoio, reforço de ego e, mesmo, em situações emergenciais, funcionar como figura carismática propondo-se a identificações. Principalmente hoje em dia, quando a antiga psicanálise de cinco vezes por semana tornou-se impraticável financeiramente.

Mas deve-se ter por meta que todas essas técnicas colocam o terapeuta na função de eu ideal, e há vasta literatura contrária ao incentivo de identificações imaginárias. Constituem técnicas válidas, se permanece o desejo de análise e para colocar o paciente em condições de realizar uma verdadeira análise. Não para criar uma dependência crônica ou converter a vítima às crenças do terapeuta. Claro que sabemos de muitos casos, principalmente quando o narcisismo do terapeuta é que precisa de mais análise, nos quais o psicanalista não está em sua função, mesmo em longo prazo, mas no papel do sacerdote exatamente como foi descrito acima. E da vaidade, já foi dito ser o mais grave de todos os pecados, aquele que conduz a todos os outros.

Em Psicologia das massas e análise do eu (FREUD, 1978), fica muito claro como a identificação do líder com o eu ideal, pelos seguidores, também cria um vínculo entre eles. Vínculo proporcionalmente mais forte quanto maior a identificação, levando a crescente exclusão daqueles que não pertencem ao grupo. Sendo este liame intragrupal fortemente narcísico, e teorizando-se sobre o eu como fonte de narcisismo de vida, mas também de morte, explica-se por que, cada vez mais, os não pertencentes ao grupo são considerados inferiores, e como a pulsão de morte tem de ser defletida, para fora do eu e do grupo, por meio da agressividade. O fantasma do se fazer segregar torna-se mais perigoso quando se pensa sobre o narcisismo das pequenas diferenças, descrito por Freud, e sobre os mecanismos esquizo-paranóides, descritos por Melanie Klein.

Um grupo que se julga portador de algo excessivamente bom, possuidor de um seio idealizado, necessariamente projeta toda sua agressividade, coloca para fora toda hostilidade latente entre os membros do próprio grupo, e sente-se perseguido. Este grupo constrói um mecanismo crescente de: identificações imaginárias, fetichização de seu líder e de seus ideais, e de intolerância à diferença. Até que, finalmente, como o mecanismo esquizo-paranóide acaba, cedo ou tarde, falhando, o grupo se cindirá em dois, ou mais, grupos rivais. Grupos que, por sua origem comum na figura de um pai ultra-idealizado, não o aceitam partilhar com ninguém mais. Esquizo (cisão) e paranóia, aí se tem: Deus, um Delírio. Demais detalhes teológicos e schreberianos apenas enfeitam. O outro grupo precisa ser destruído.

Estamos falando da exacerbação contemporânea do conflito entre os monoteísmos, ou das sociedades psicanalíticas?

 

Referências

BORNHEIM, G.A. (Org.) Os filósofos pré-socráticos. 13ª ed. São Paulo: Cultrix, 1999.

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Endereço para correspondência:
Rua Marechal Mascarenhas de Morais 132/308, Copacabana
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E-mail: anchyses@terra.com.br

Recebido em 05/05/2008

 

 

* Médico e Bacharel em Filosofia, ambos pela UFRJ; Mestre em Medicina (Psiquiatria) e Mestre em Filosofia, ambos pela UFRJ; Doutor em Filosofia pela UFRJ; Psicanalista e Membro Efetivo do Círculo Brasileiro de Psicanálise – Seção Rio de Janeiro; desde 1984 leciona em cursos de Graduação em: Psicologia, Pedagogia e Letras; também leciona em cursos de Especialização em Psicoterapia Psicanalítica e de Formação Psicanalítica.
1 Referência de Freud aos textos A Questão da Análise Leiga e O Futuro de uma Ilusão.
2 Mesmo tendo aumentado ao longo dos anos, das críticas e processos, o número de disciplinas com títulos referentes à psicanálise e seus principais autores, é interessante notar a ênfase no currículo de vários destes cursos em disciplinas não psicanalíticas, indo desde o discurso organicista da moda, até o pólo aparentemente oposto, com a presença de disciplinas místicas, tais como: primeiros socorros, parapsicologia, neurofisiologia, neurociência, anatomia, bioquímica, hipnose, sexologia, mitologia.
3 As numerosíssimas instituições psicanalíticas brasileiras, aqui rotuladas de tradicionais, originaram-se ou da International Psychoanalytical Association, ou de dissidências desta ocorridas no exterior ou no Brasil (notadamente a constelação lacaniana) ou de dissidências destas dissidências, coletivas ou individuais.
4 Há muitos anos, quando do início da procura crescente de formação por religiosos, nossa colega psicanalista do CBP-RJ, Maria Angelina Khalil Aidé, havia invertido a direção da pergunta: ao invés de Por que a religião quer invadir a psicanálise; devemos indagar: Mas afinal, por que falha o significante da religião?
5 Em relação ao Brasil indicamos a excelente coletânea, da área de antropologia: Intolerância religiosa – impacto do neopentecostalismo no campo religioso afro-brasileiro (SILVA, 2007), e O fim da religião – dilemas da liberdade religiosa no Brasil e na França (GIUMBELLI, 2002).
6 Agradecemos a idéia sobre a diferença entre psicanálise e religião, nos registros do simbólico e imaginário, proposta e discutida nos seminários do Corpo Freudiano do Rio de Janeiro, ao Prof. Dr. Marco Antonio Coutinho Jorge.
7 O Caso Schreber (The Case History of Schreber, FREUD, 1978) apresenta-se como o texto de conexão entre a primeira parte da obra de Freud, voltada mais para a clínica, e conceitos como a pulsão e o inconsciente, e a segunda parte de sua obra, onde surgem os textos sobre religião e sociedade. É possível ler o Caso Schreber como fruto de Freud, o escritor, e perceber a discreta ironia na qual os delírios místico-religiosos e soteriológicos de Schreber servem de voz à crítica freudiana da religião.