Sugestão,
a outra face da sedução: pela cientificidade da psicanálise*
Suggestion,
the other face of seduction: in defense of the scientific character of Psychoanalysis
Retomando a correspondência
a Fliess e os sonhos da Injeção a Irma e Hella, os autores afirmam
que Freud recalcou a relação entre sugestão e sedução,
ao deixar de analisar a contribuição de seu próprio desejo
(como teórico e analista) de encontrar “o caput Nilii da neuropatologia”
na construção de teoria da sedução. Esse recalque
deixou sua marca não só na construção da teoria,
mas também na posteridade do movimento, marcadamente na formação
dos analistas e no modo de conceber a técnica psicanalítica. No
primeiro caso, critica-se a ambigüidade entre “transmissão”
e “transferência”, na tradução do termo Übertragung,
a qual fundamenta uma formação analítica marcada pela adesão
acrítica ao sistema do mestre e pelo distanciamento em relação
ao projeto científico da psicanálise. No segundo caso, critica-se
a vertente hermenêutica em psicanálise, manifesta na predominância
da interpretação em detrimento da análise des-tradutiva.
A teoria laplancheana, ao acompanhar o movimento do próprio inconsciente,
tanto na obra de Freud quanto na situação antropológica
fundamental, busca atender aos requisitos da cientificidade em psicanálise.
Palavras-chave:
Psicanálise, Cientificidade, Sugestão, Sedução,
Teoria da sedução generalizada.
RÉSUMÉ
En reprenant la
corréspondance à Fliess et les rêves de l’Injection
faite à Irma et Hella, les auteurs affirment que Freud a réfoulé
la rélation entre suggestion et séduction quand il n’analise
pas la contribution de son désir (en tant que théoricien et analyste)
de rencontrer «le caput Nilii de la neuropathologie» dans la construction
de sa théorie de la séduction. Ce refoulement a laissé
sa trace non seulement sur la construction de la théorie mais aussi sur
la postérité du mouvement, spécialement sur la formation
des analystes et la façon de concevoir la technique psychanalytique.
En ce qui concerne la formation, on critique la confusion engendré par
la traduction du terme Übertragung, soit comme «transmission»,
soit comme «transfert». Cette confusion fonde une formation analytique
marquée par l’adhésion non-réflechie au système
du maître et, conséquemment, par l’éloignement par
rapport au projet scientifique de la psycha-nalyse. Quant à la technique,
on critique la tendance herméneutique en psychanalyse, manifeste dans
la prédominance de l’inter-pretation au détriment de l’analyse
de-traductive. Parce qu’elle accompagne le mouvement de l’inconscient
lui même, à l’oeuvre de Freud autant qu’à la
situation anthropologique fondamentale, la théorie laplanchienne cherche
à atteindre aux éxigences de la scientificité en psychanalyse.
Mots-clés:
Psychanalyse, Scientificité, Suggestion, Séduction, Théorie
de la Séduction Généralisée.
Em
certo congresso de psicanálise, um analista começou sua intervenção
numa mesa redonda em que se tratava da relação entre a psicanálise
e uma ciência empírica, lembrando que Lacan, no início,
tentou colocar a psicanálise no campo da ciência, mas, depois,
acabou por situá-la do lado da magia e da religião. Em vez de
uma crítica, era uma constatação que em nada parecia chocar-se
com a própria prática. Entre magia e religião ele sentia-se
à vontade. E a assistência dividiu-se entre os que ficaram perplexos
com tal afirmação e os que estranharam essa perplexidade.
Deriva do pensamento
lacaniano ao sul do Equador, deriva da psicanálise lacaniana, deriva
da psicanálise! A afirmação espanta por não se esconder
atrás de alguma fórmula rebuscada. Viesse ela na forma de algum
preciosismo verbal e talvez passasse por uma dessas que mais entediam do que
propriamente escandalizam. Por sua ingênua clareza, ela nos desperta da
sonolência provocada pelo efeito narcotizante de um certo estilo.
Precisar defender
a cientificidade da psicanálise, um século depois da sua constituição
como campo de saber, eis o que nos deveria espantar. Sobretudo porque, a esse
respeito, Freud nunca titubeou. Imaginá-lo pretendendo ter inventado
uma ética exige um esforço de imaginação. E, no
entanto, o que parece espantar é que ainda se defenda o caráter
científico da psicanálise. Como se, de repente, se resolvesse
vestir uma roupa que, esquecida no fundo da gaveta, há muito tivesse
saído de moda. Algumas das razões desse esquecimento e a importância
desse resgate é o que tentaremos analisar.
***
Quando a comissão
nomeada por Luís XVI e presidida por Lavoisier, para efetuar um exame
do “magnetismo animal” e prestar contas ao rei, concluiu que a água
da tina de Mesmer era simplesmente H2O e, portanto, não explicava
a crise, o naturalista Jussieu ousou questionar: se não era a água,
se não era outro elemento identificável, o que, então,
provocava a crise?1
Um século
depois, a resposta a essa pergunta estava sendo formulada em termos de sugestionabilidade:
para Charcot, uma característica própria da histeria; para Bernheim,
uma possibilidade generalizada.
Freud entra nesse
debate informado pela cura de Anna O., por Breuer2.
Em vez de calá-lo, como acontecia no método sugestivo, a catarse
fazia o sintoma falar. Desvelava-se, assim, “o mecanismo psíquico
dos fenômenos histéricos”3.
A etiologia permanecia, no entanto, por explicar. A hipótese de Breuer,
na circularidade de sua explicação em termos de “estados
hipnóides”4, retomava,
em linhas gerais, a teoria traumática de Charcot, ao postular uma fragilidade
congênita do histérico. Não era a natureza do estímulo
que explicava seu caráter traumático, mas o incremento de sugestionabilidade
que caracterizava aqueles estados.
Em que consistiu
a contribuição de Freud com sua teoria da sedução?
Ao caracterizar como de natureza infantil o que se imputava à suposta
fragilidade do histérico, primeiro, ele postulou uma teoria etiológica
da histeria e não apenas uma explicação do “mecanismo
psíquico”; segundo, transformou a neurose numa possibilidade aberta
a todo ser humano; terceiro, ressaltou a prioridade do outro, adulto. Evitou,
porém, uma análise que lhe teria permitido constatar como essa
prioridade do outro pode ser atualizada na forma de uma relação
de sugestão. À questão ”se a sugestão explica
o sintoma histérico, o que é que explica a sugestão?”
Freud vai responder com a teoria da sedução. Neste movimento,
porém, desaparece o termo intermediário: se a sedução
explica a histeria, se não é necessário recorrer à
sugestão, não é preciso explicá-la. Quando, mais
tarde, Freud caracterizar a relação de sugestão em termos
de transferência, a prioridade do outro ficará, se não esquecida,
pelo menos relegada a um segundo plano, uma vez que a transferência, em
Freud, tenderá a uma direção centrífuga, no sentido
paciente analista5.
No sonho “da
injeção de Irma”6,
sonhado na vigência da teoria da sedução, Freud parece dividido
entre dois diagnósticos: se Irma fosse histérica, precisaria aceitar
a “solução”de Freud, “de abrir a boca”7
para relatar a cena de sedução que estaria na origem da sua doença
e confirmar, assim, a verdade da teoria de Freud. Mas, viúva e abstinente,
seu diagnóstico poderia ser também de neurose de angústia,
para a qual a psicoterapia seria inoperante e a profilaxia apontaria para a
necessidade de uma prática sexual. Na primeira possibilidade, ela precisaria
recordar uma cena de sedução; na segunda, ele poderia realizá-la.
A atualidade da neurose de angústia repetia, assim, sob a forma de uma
necessidade profilática, a causa da psiconeurose. Então, no sonho,
Irma abre a boca e Freud vê um quadro perturbador que o remete às
suas próprias falhas profissionais e o leva a pensar que “a seringa
não devia estar limpa” e a se censurar porque “injeções
dessa natureza não devem ser feitas tão impensadamente”89.
Na carta do equinócio
de 1897, um dos argumentos de Freud para descrer da sua neurótica
foi a impossibilidade de distinguir, no inconsciente, “entre a verdade
e a ficção que foram (investidas) pelo afeto”10.
Mas uma questão anterior se colocava: de quem era o desejo que animava
a cena de sedução? No sonho Hella11,
o desejo de confirmar essa neurótica em que, dois meses depois,
deixará de acreditar, transforma em sedutor o pai da histérica
Mathilde, aquela que devia se chamar Hella, pois ao chorar, nas derrotas dos
gregos contemporâneos, as derrotas de seus heróis míticos,
ela “sofre de reminiscências”12.
E, na carta do equinócio, Freud lamentava a perda das belas perspectivas
que para ele se abririam: “a expectativa da fama eterna era belíssima,
assim como a da riqueza certa, independência completa, viagens e elevar
as crianças acima das graves preocupações que me roubaram
a juventude”13.
Freud nunca admitiu
que “a seringa” de seu desejo pudesse ter influenciado nos dezoito14
relatos de sedução que refere. Limitou-se a abandonar discretamente
sua neurótica e, mais tarde, a dar o sentido dessas revelações:
lá onde as pacientes acusavam a sedução paterna, era o
próprio desejo delas que aparecia. Nesse movimento, todavia, o inconsciente
deixou de coincidir com o recalcado, perdendo sua característica de “corpo
estranho interno”, para se constituir num originário que lançará
suas raízes até à filogênese; a sexualidade infantil,
afinal descoberta, foi caracterizada como “espontânea, de desenvolvimento
essencialmente endógeno”15;
o complexo, que virá a tornar-se “nuclear”, esse complexo
que se revelara na visão da matrem nudam16,
foi caracterizado como de Édipo e não de Laio ou de Jocasta. Subjacente
a esse movimento da metapsicologia, verifica-se a evolução das
“transferências” – uma modalidade de deslocamento –
para a “transferência” - repetição, na relação
ao analista, dos protótipos infantis. Definitivamente, a direção
centrípeta da teoria da sedução muda de sentido: sexualidade,
Édipo e transferência são da criança (e da criança
no adulto), e a prioridade do outro é esquecida.
A teoria evoluiu
e Freud chegou mesmo a fazer uma análise da relação de
sugestão17. Mas, como mostrou
Laplanche, a “revolução copernicana” permaneceu “inacabada”18.
Um dos motivos dessa incompletude parece-nos residir na impossibilidade inicial
de Freud de articular seu desejo, esse de ser o descobridor da “caput
Nili na neuropatologia”19,
às queixas que o levaram à teoria da sedução20.
A simples possibilidade de que tais queixas se devessem à sugestão
arrasaria sua promissora teoria, uma vez que a questão se colocava em
termos equivocados: não se tratava mais de saber se houve ou não
sugestão mas de decifrar sua natureza. Pois o que um aprofundamento do
problema teria revelado era que, primeiro, essa relação não
era nem consciente nem deliberada; segundo, (contra)transferencial, ela repetia,
na sincronia do espaço analítico, a diacronia de um tempo histórico-fantasmático;
terceiro, seu protótipo tinha, porém, o sentido adulto ®
criança; quarto, sedução e sugestão eram, afinal,
as duas faces de uma mesma moeda.
Não por
acaso, é nos sonhos, a mais autista das manifestações psíquicas,
que Freud buscará chão firme quando não mais puder acreditar
na sua neurótica. Quem o poderia acusar de sugerir o enredo
dos sonhos?21 Essa estratégia
defensiva impediu-o, porém, de desenvolver a possibilidade de que, entre
os desejos que os sonhos realizam, estivesse a tradução das mensagens
enigmáticas do outro. E, desse modo, o Trieb tendeu, cada vez
mais, a buscar seu fundamento na filogênese, a fazer-se Instinkt.
Como um verme
na fruta, essa impossibilidade de Freud de analisar o quanto seu desejo estava
subjacente às queixas de sedução e, consequentemente, o
quanto isso foi determinante no abandono da neurótica, vai,
por um lado, repercutir na formação dos analistas e, por outro,
na constituição da própria técnica psicanalítica.
Em relação
à repercussão sobre a formação dos analistas, talvez
seja Lacan, com a sua postulação de que “a psicanálise
não se ensina, se transmite”, quem melhor permite a explicitação
da questão. Como se sabe, esse termo “transmissão”é
uma das traduções possíveis para Uberträgung,
que, na língua de Freud, tem sempre o sentido de “transferência”22.
Ora, ao “injetar” este outro sentido no termo freudiano, Lacan condensa,
em forma de aforismo, a conclusão de um silogismo: se não há
análise sem transferência; se não há formação
analítica sem análise pessoal, então (conclusão
problemática), a formação analítica é feita
por Uberträgung
transmissãotransferência.
Quando o analista antes referido não se escandaliza, nem mesmo se espanta
que Lacan tenha colocado a psicanálise do lado da magia e da religião,
ele é produto dessa formação por transferência ao
mestre.
Lacan não
foi o primeiro, nem certamente o último, a transformar um método
que se pretende libertador dos determinismos inconscientes, em estratégia
“de poder, de doutrinação, de afiliação”23.
O processo é coextensivo a uma anomalia denominada “análise
didática” — se “didática”, não
poderá ser “análise”; e se “análise”,
não poderá ser “didática”24.
Quando, afinal,
em Psicologia das massas e análise do eu, Freud desvela a natureza
da relação de sugestão — através da comparação
do par hipnotizador–hipnotizado, primeiro, com a relação
entre o apaixonado e seu objeto25,
depois, com a relação entre o líder e as massas —,
ele põe em evidência a fascinação do objeto quando
chamado a ocupar o lugar de eu-ideal. E aos exemplos da relação
dos cristãos ao Cristo e dos soldados ao comandante-em-chefe26,
ele poderia ter acrescentado esse terceiro, da relação de alunos,
analisandos e seguidores, aos fundadores de escolas psicanalíticas.
É significativo
que Laplanche, o psicanalista que, na posteridade de Freud, mais tem insistido
na prioridade do outro27, no descentramento
do inconsciente, no caráter inacabado da revolução copernicana
de Freud, seja também aquele que, ao pôr à prova a sua teoria,
acaba por apontar para a necessidade de que a teoria psicanalítica se
submeta a essa exigência, evitando os efeitos dessa sugestão que,
por tanto tempo ocultada, continua produzindo resultados nefastos na contemporaneidade
psicanalítica. Se a ciência não admite o argumento de autoridade,
a psicanálise tampouco se pode transmitir pela transferência a
um mestre. A prática científica da psicanálise deverá
separar o joio do trigo e relegar, assim, certas práticas, que se pretendem
psicanalíticas, ao rol das mágicas e das verdades reveladas.
Como Freud com
Irma, a transmissão pela transferência faz da palavra do analista
uma palavra de mestre que pretende “injetar”, a qualquer custo,
seus conceitos, os quais, por não serem falseáveis, só
se mantêm às custas de um dogmatismo que é tudo, menos ciência.
A partir do que falaria um certo sujeito do inconsciente, pela boca de cada
paciente, corre-se o risco de transformar a psicanálise numa prática
do convencimento a respeito de não importa qual verdade teórica
pressuposta.
E, aqui, evidencia-se
um aspecto complementar da questão, aspecto que vai repercutir na concepção
da própria técnica psicanalítica. Referimo-nos à
ênfase na interpretação como método de tradução,
ao invés da ênfase na des-tradução e na recusa da
psicanálise como uma hermenêutica.
Se o trabalho
psicanalítico existe em oposição ao do recalque, se consiste,
em última instância, em reavivar o enigma da sexualidade que encontrou
no sintoma uma forma secundária e neurótica de tradução,
então a interpretação do inconsciente através de
teorias apriorísticas situa-se em oposição ao trabalho
de análise. Utilizar a teoria como chave interpretativa é impedir
o movimento tradutor inerente à dinâmica psíquica, caracteristicamente
pulsional. É querer “injetar” as verdades — religiosas?
mágicas? — de uma teoria que não se põe à
prova.
No melhor dos
esforços científicos, Freud instaura uma regra para o analista:
suspensão do juízo, atenção flutuante. Ora, esse
imperativo é tanto epistemológico quanto metodológico:
da clínica, a suspensão de juízo, numa surpreendente extensão,
alcança a própria teoria, essa representante da ciência.
Por mais conhecimento teórico que se produza sobre o inconsciente, é
preciso não pretender já sabê-lo, a fim de que o inconsciente
de cada ser humano — o paciente não é o verdadeiro tradutor?—
possa emergir.
Igualmente, há
que se reconhecer nesta posição um realismo epistemológico
e ontológico. A adoção da falseabilidade popperiana já
fala dessa epistemologia que, longe de perder de vista o universal do humano,
dele se aproxima e o situa no plano de uma experiência tão pessoal
quanto comum a todos os seres humanos: a situação antropológica
fundamental define o conhecimento sobre o inconsciente não a partir
de uma estrutura desencarnada e atemporal, cujas origens ter-se-iam perdido
no tempo mítico do totem ou da formação do primeiro sistema
lingüístico. Não, as origens do conhecimento sobre o inconsciente
estão em cada encontro, desigual, psiquicamente desnivelado, entre o
adulto e a criança por ele cuidada e desejada. Conhece-se porque não
se pode conhecer tudo, porque, na fonte desse impulso para conhecer, está
o esforço de traduzir o que, por se ter tornado inconsciente para a criança,
nunca será totalmente conhecido pelo futuro adulto.
A ontologia laplancheana
fala, portanto, de um realismo do inconsciente, não certamente no sentido
de um empirismo ingênuo que ambicionasse “localizar” o inconsciente
na anatomia ou na fisiologia cerebral; mas, sim, na generalização
das experiências reais de sedução, as quais dão origem,
de maneira nada mítica, ao inconsciente de cada indivíduo.
Opor-se a um inconsciente
estruturado é, entre outras coisas, pressupor que a sedução
não tem, além de suas premissas fundamentais, nenhuma forma prévia
e que cada inconsciente é constituído de forma singular, porque
a mensagem não total ou adequadamente traduzida lá deixou seu
resto, que passa, desde então, a exigir tradução. Insistir
que o critério definidor do inconsciente é a sexualidade infantil
recalcada, permite, por fim, enxergar essa concepção de ser humano
que — longe de tornar-se o hospedeiro do Outro que, como o dito sujeito
do inconsciente, próprio da linguagem, falaria por meio dele —
se faz indivíduo justamente na relação com outros particulares,
co-responsáveis pela constituição de uma situação
que, desnivelada no que diz respeito à sexualidade, é condição
de humanização.
Partir de uma
ontologia realista é assumir que há, no psiquismo humano, uma
dimensão inconsciente nem mais nem menos importante, nem mais nem menos
autônoma, nem mais nem menos singular que a dimensão consciente,
com a qual forma um psiquismo complexo e conflituoso, mas não bicéfalo.
É admitir que o inconsciente não é transindividual nem,
tampouco, “um conceito científico, uma lei ou[...] uma
simples referência”28.
Sem deixar de impulsionar a produção de teorias, é uma
realidade que não deve ser tratada deôntica ou dogmaticamente,
sob pena de só se produzirem... novos mitos, dogmas e ideologias certamente
confortantes, mas, em sua conveniência, nada producentes.
Concluindo, o
movimento laplancheano pela cientificidade da psicanálise, é um
movimento de desalienação que, ao caracterizar toda a teoria como
passível de falsificação, diminui o brilho e a sedução
dos grandes mestres, de suas doutrinas e de seus dogmas, apontando para o devir
de um processo científico em constante progresso. Somente o reconhecimento
de sua cientificidade é capaz de proteger a teoria psicanalítica
do perigo de se transformar em hermetismo inquestionável e em pensamento
tautológico, o qual, afirmado ou negado, sempre se confirma.
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Fernando Cézar
Bezerra de Andrade
Av. Epitácio Pessoa, 753 - sala 809
Bairro dos Estados
58030-904 - João Pessoa - PB
fone (83) 3225-3298
E-mail: frazec@uol.com.br
Recebido em 25/05/2008
*
Suggestion, l’autre côté de la séduction: pour la
scientificité de la psychanalyse. Psychiatrie Française,
v. 38, n. 4/07, p. 54-62, dec. 2007; número temático: Théorie
de la séduction: validation, réfutation. Reúne as contribuições
às Journées Internationales Jean Laplanche, Lanzarote,
julho de 2006. ** Sociedade Psicanalítica
da Paraíba. 1 Cf. Chertock, Léon; Stenger,
sIsabelle . O coração e a razão: a hipnose de Lavoisier
a Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990. p.23-29. 2 Breuer, Joseph. “Fräulein
Anna O.” Estudos sobre a histeria [1895]. In: ___.Edição
standard brasileira das obras psicológicas completas. Rio de Janeiro:
Imago, 1980. v. II, p.63-90. 3 Freud,Sigmund; Breuer, Joseph.
Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos [1893],
op.cit., pp.43-59. 4 Breuer, Joseph. Considerações
teóricas, op.cit., p.237-308. 5 No entanto, “a arte agora
consistia em desvelar essas resistências o mais rápido possível,
mostrá-las ao paciente e utilizar então nossa capacidade humana
de persuasão (aqui a sugestão estava então operando como
“transferência”) para convencê-lo a abrir mão
dessas resistências.” (Freud, S. Além do Princípio
de Prazer [1920], OPSF, v. 2, p.144). 6 Freud, Sigmund . A interpretação
de sonhos. [1900], In: ___.Edição standard brasileira
das obras psicológicas completas. Trad. de Jayme Salomão.
Rio de Janeiro: Imago, 1996. v. IV, p.103-130. 7 Id., ibid., p.115. 8 Id., loc., cit. 9 Cf. Maia, Luís . A teoria
da sedução no sonho da injeção de Irma. Psychê:
Revista de Psicanálise, São Paulo, ano 5, n. 7, p. 59-67,
2001. 10 Freud, Sigmund . Carta de 21
de setembro de 1897,In:____. Correspondência completa de Sigmund Freud
para Wilhelm Fliess. Rio de Janeiro: Imago, 1986. p.266: «(investidas)»
em vez de “catexizadas”. 11 Id., ibid., Carta de 31 de
maio de 1897, p.250. 12 Freud,Sigmund; Breuer, Joseph.
Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos. [1893].
op.cit., p.48. 13 Freud,Sigmund: Carta de 21
de setembro de 1897, op. cit., p.267. 14 Freud, Sigmund . A etiologia
da histeria [1896], op. cit., v.III, p.226. 15 Laplanche, Jean; Pontalis;
J.-B. Fantasia originária, fantasia das origens, origens da fantasia.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, p.38. 16 Freud, Sigmund . Carta de 3
de outubro de 1897, op. cit., p.269. 17 Freud, Sigmund . Psicologia
de grupo e análise do ego [1921], op. cit., v.XVIII, p.89-179. 18 Laplanche, Jean. Ponctuation.
In: ___. La révolution copernicienne inachevée. Paris:
Aubier, 1992. p.III-XXXV. 19Freud, Sigmund . A etiologia
da histeria [1896], op.cit., p.230. 20 Entenda-se, o desejo de Freud
sugeriu as queixas de sedução, assim como o desejo de Breuer está
subjacente à gravidez imaginária de Anna O. Melhor do que “imaginária”,
aliás, “metafórica”, pois o fruto desse encontro está
longe de ser “imaginário”. 21 Essa foi, no entanto, a acusação
de Fliess quando as relações entre os dois se romperam. 22 Laplanche, Jean. La psychanalyse
dans la communauté scientifique. In:___. Entre séduction et
inspiration: l’homme. Paris: PUF, 1999. p.174. 23 Id., loc., cit. 24 Cf. Laplanche, Jean. La didactique:
une psychanalyse ‘sur commande’. In: ___. op.cit., p.115-126. 25 Freud, Sigmund. Psicologia
de grupo e análise do ego. [1921], op.cit., p.141-147. 26 Id., ibid., p.119-125. 27 Entenda-se “outro”,
em minúscula. 28 Laplanche, Jean . O Inconsciente
e o Id. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p.32.