Os fragmentos da
análise do caso clínico aqui apresentado narram a história
de um homem que vive em conflito com o seu desejo homossexual por temor de perder
o amor de sua mãe e o respeito de seu pai. Este conflito o induz a uma
profunda depressão ao mesmo tempo em que vive uma relação
amorosa com tons obsessivos. Ao relatar este caso nos apoiamos nos ensinamentos
de Freud, mas especialmente de Jean Laplanche que trabalha os conceitos freudianos,
confrontando suas contradições sempre na intenção
de criar uma nova espiral que abra outros caminhos ao pensamento. Laplanche
entende que o ser humano é, por excelência, um ser autoteorizante
e autotradutor. Cada época importante de sua vida abre a possibilidade
de revisar sua própria tradução anterior proporcionando-lhe
agora uma tradução mais englobante, menos recalcante, com meios
renovados para uma nova leitura de si mesmo.
Palavras-chave:
Psicanálise, Desejo homossexual, Teoria da sedução generalizada
e tradutiva do recalque.
ABSTRACT
The fragments
of the analysis of the clinical case presented here tells the history of a man
who lives in conflict with his homosexual desire from fear to lose his mother
love and his father respect. This conflict induces him to a deep depression
at the same time where a loving relation with obsessive tones lives. When telling
this case in we support it in Freud’s teaching, but especially in Jean
Laplanche who works the Freud’s concepts, collating its contradictions,
always in the intention to create a new spiral that opens other ways to think.
Laplanche understands that human is, in excellence, a self-taught
and self-translator person. Each important moment in his life opens the possibility
to revise his own previous translation that provides now a general translation,
less repressed, with ways renewed for a new reading of himself.
Keywords:
Psychoanalysis, Homosexual desires, Theory of the generalized seduction and
translation of the repressed.
A
psicanálise se interessa pelo ser humano como autor, como sujeito de
seu discurso, o que o conduz a seu próprio fantasma, onde se articula
seu desejo.
Silvia Tubert
Introdução
O fragmento da
análise do caso clínico aqui apresentado narra pequenos momentos
da história de um ser humano que vive um forte conflito psíquico
diante de seu desejo homoerótico, que teme perder o amor de sua mãe
e o respeito de seu pai. Um conflito que o induz a uma profunda depressão
e que o faz percorrer as ruas tortuosas das desilusões amorosas, da dependência
patológica, do sentimento de culpa e de inferioridade.
Sabemos que não
é fácil eleger um caso clínico para a apresentação
de seu estudo interligando-o a uma teoria que o respalde, pois tal tarefa exige
um esforço de elaboração por parte do psicanalista do que
acontece na intimidade do encontro entre ele e o analisando.
Nesse sentido,
vamos trabalhar este caso com apoio nos ensinamentos de Freud, mas especialmente
nos de Jean Laplanche que trabalha os conceitos freudianos, confrontando suas
contradições sempre na intenção de criar uma nova
espiral que abra outros caminhos ao pensamento. Famoso por ser rigoroso em suas
colocações e profundo conhecedor da obra freudiana, Laplanche
se posiciona claramente diante do conteúdo sexual do inconsciente. Resgata
a via da sedução que a seu ver é recalcada pelo próprio
Freud em sua obra e desenvolve a Teoria da Sedução Originária
e o conceito das Mensagens Enigmáticas com vistas a retomar
a prioridade do outro na fundação do inconsciente, recusando-se
a pensar que o infante parta de uma sexualidade dada como algo inata.
Laplanche entende
que o ser humano é, por excelência, um ser auto-teorizante e autotradutor.
Cada época importante de sua vida abre a possibilidade de revisar sua
própria tradução anterior, proporcionando-lhe agora uma
tradução1 mais englobante,
menos recalcante, com meios renovados para uma nova leitura de si mesmo. É
bem verdade, que esta nova tradução deixa um resto não
traduzido, porém é igualmente certo que ela vai acrescentando
a cada nova tradução algo novo a sua história. Desta forma,
a tradução psíquica não é somente algo recalcado
que vai deixando restos intraduzíveis pelo caminho, mas também
algo regenerador.
Fragmentos
e reflexões acerca do caso
Os fragmentos clínicos
que vamos trabalhar a partir deste momento dizem respeito a Pedro – nome
fictício pelo qual chamaremos o protagonista da nossa história
–, um jovem rapaz que chega à análise pelas mãos
da mãe que não agüentava mais presenciar a tristeza e a falta
de ânimo do filho. Ele diz que está deprimido, irritado e com dificuldade
para dormir. Diz que sua mãe nunca entenderia a linguagem da dor que
permeia suas entranhas. Que esta dor consiste num enorme segredo que ao ser
revelado pode causar danos irreversíveis. Sua tristeza se relaciona diretamente
ao amor que sente por alguém que não deveria sentir. Um desejo
oculto aos olhos dos outros, uma linguagem que só as mariposas podiam
decifrar.
Há quanto
tempo ele guardava esse segredo e era prisioneiro de sua própria
angústia? Como analista, procuramos estar atentos ao fato de que analisar2
consiste num ato de desfazer a tradução atual do paciente, em
retornar ao texto originário para refazer esta tradução,
traduzindo aquilo que a tradução precedente não havia possibilitado
traduzir, que havia sido deixado como um resto não decifrado.
Assim, qualquer
ato de interpretar em psicanálise implica a existência de um sentido
que não deve ser criado, mas sim descoberto. E esta descoberta vai-se
revelando passo a passo através de um processo de tradução-destradução-retradução3
regido pela ação do a posteriori4.
Desde as primeiras
entrevistas, podia-se perceber o quanto era forte a ligação de
Pedro com a sua mãe. Sua identificação com ela era visível,
como se ele tivesse que incorporar seus sentimentos. Pedro nasce com um destino
desenhado pelo desejo de sua mãe, ele vem para ocupar o lugar daquele
que unirá os laços matrimoniais dos pais que, depois de tantos
anos, estavam-se desfazendo. A implantação do desejo materno havia
deixado suas marcas em Pedro, determinando-lhe um destino a ser cumprido.
Laplanche (1992a)
explica que o infante emerge de um mundo, que não é meramente
objetivo, mas repleto de significantes enigmáticos. Trata-se realmente
de um infante confrontado com um mundo adulto que, para começar, lhe
envia mensagens que estão impregnadas de significações
sexuais inconscientes, as quais o infante percebe, mas não pode decodificar
e ficam sem ser traduzidas. Esta é uma situação antropológica
fundamental (LAPLANCHE, 2001) de caráter universal. Uma relação
da qual nenhum ser humano pode excluir-se e que constitui o fundamento originário
de seu inconsciente.
Nesse sentido,
o universal é aquilo da ordem do pulsional desligado, aquilo que se instala
e se introduz no infante, convertendo o ser humano em um ser pulsional. E isto
é o que realmente a psicanálise é convidada a dar conta.
Desta maneira, o pequeno ser humano deve responder, desde o primeiro momento,
a estas mensagens impregnadas de sexualidade, mas a inadequação
inevitável das respostas infantis instaura um resíduo inconsciente
de alteridade a que todo ser humano deve seguir respondendo.
Laplanche (1988)
emprega a expressão “confrontação” ao tratar
de explicar a relação existente entre um adulto ativo e um infante
passivo e assim põe em relevo toda uma inadequação de linguagem
entre eles, num sentido próximo ao da “confusão de línguas”,
formulada por Ferenczi (1992), pois a criança deve responder a questionamentos
provenientes do adulto antes que possa compreendê-los e dar-lhes sentido.
Tal dificuldade não reside tanto na insuficiência da bagagem semântica
da criança, mas, antes de tudo, no fato de que a linguagem parental expressa
o próprio inconsciente num sentido ignorado pelos próprios adultos.
Trata-se, pois, de uma relação enigmática do emissor com
seu próprio inconsciente.
É, portanto,
no seio de desconfianças e traições que Pedro vem ao mundo
já fortemente marcado por uma inadequação de linguagem
entre ele e a mãe. Desde tenra idade, Pedro foi traduzindo, através
de seus códigos, as mensagens que os adultos iam implantando em seu psiquismo.
Estas traduções, muitas vezes, são falhas e alimentam as
traduções subseqüentes. Acumulando tradução
em cima de tradução, o sujeito se prende a leituras equivocadas
daquilo que pretende ser sua história de vida. Pedro recebe estas mensagens
provindas de uma mãe emocionalmente instável, que tinha crises
histéricas constantes, nas quais ameaçava se matar todas as vezes
que se sentia contrariada em seu desejo. Uma mulher deprimida que contava tudo
que sentia abertamente a seu filho, a quem chamava Minha Essência.
Pedro, sem saber, tomou para si a vida amorosa permeada de ciúmes, desconfiança
e traições de sua mãe.
Ora, os adultos
que cuidam das crianças não somente as seduzem, mas também
lhes proporcionam códigos de tradução. Efetivamente, a
partir da experiência de sedução5,
a criança se organiza e se estrutura como simbolizante, mito-teorizante
e interpretante por excelência, o que lhe vai permitir ressignificar constantemente
e construir novas versões de sua história pessoal. O sedimento
deste esforço de tradução, este resto não simbolizado,
dessignificado, é o que Laplanche chama de objeto fonte da pulsão
porque vem do outro, vem de fora. Neste sentido, o outro da sedução
é a fonte da pulsão.
A situação
originária6 se comunica
com a situação analítica inaugurada por Freud. Esta situação
consiste em fazer com que o originário seja sempre o que desencadeia
o movimento psíquico no presente, operatória que Laplanche designa
como sedução, enquanto estímulo afetivo primordial. Assim,
a testemunha da “sedução” infantil é a “sedução”
analítica, que Laplanche denomina de “transferência”.
No transcorrer
da análise, Pedro pôde reviver essa situação de sedução
originária na transferência. Estabelecemos um forte laço
transferencial e ele pôde, em sua análise, reativar o momento da
situação originária recebendo uma nova sedução
carregada de mensagens de valorização e aceitação.
Atravessamos o deserto das incertezas das emoções, percebendo
suas miragens e sendo muitas vezes o oásis que permitia que a caminhada
prosseguisse. Assistimos à metamorfose dolorida da descamação
da pele que cai para que uma nova possa surgir. Pudemos acolhê-lo nas
suas angústias e suportar suas dores, o que, por vezes, era dilacerante.
Pedro apresentava
uma série de sintomas, mergulhava no mundo da melancolia quando permanecia
em seu quarto e ali ficava por dias, sofrendo e chorando suas desditas amorosas,
sentindo-se o pior dos mortais por possuir na alma as marcas de um desejo que
o condenava às masmorras da solidão. Ele percorria o universo
de sua angústia paranóide retratada nos ciúmes e no medo
de ser traído a qualquer momento.
À medida
que ia destraduzindo sua relação com a mãe, ia descobrindo
o quanto estava, em suas palavras, coberto dela. Seu pai aparecia em
seu discurso como sendo um homem bom, fechado em si mesmo; alguém que
em algum lugar da sua infância esteve vivo, mas depois morreu e agora
era só um fantasma. Sei que muitas vezes fomos às profundezas
do inferno e convidamos os fantasmas a saírem, mas o fantasma do pai
relutou em aceitar tal convite, até que sua resistência em falar
veio abaixo e ele pôde começar a desenterrar suas lembranças.
Pedro queria casar,
mas sabia que isto não seria algo fácil porque nenhum dos dois
tinha condições financeiras para assumir este desejo, que deveria
permanecer oculto em seu interior, restrito ao universo das mariposas. A raiva
que ele sentia de amar outro homem era enorme quando pensava em tudo que lhe
era vetado, como poder andar de mãos dadas, beijar e abraçar em
público. Ouvir suas cartas de amor e suas poesias nos fazia lembrar o
ideal de amor romântico7
que consistia na proposta de amor recíproco e indissolúvel. Um
projeto amoroso no qual o sexo era inseparável do amor e do laço
conjugal, cuja finalidade última era a felicidade.
Ora, na atualidade,
para além da escolha do objeto de desejo, lembrando que esta
escolha a que Freud se referia era inconsciente, assistimos ao que se apresenta
como uma revolução sexual, ou seja, para poder gozar
dos prazeres eróticos, nos dias de hoje, não é mais necessário
se apaixonar ou assumir compromissos e deveres conjugais. De acordo com Bauman
(1998), o indivíduo pós-moderno se transformou num colecionador
de sensações. Pedro, porém, acreditava no amor à
primeira vista, no entrelaçamento dos corpos e na fusão das almas
dos enamorados. Ele estava repleto deste desejo romântico.
Segundo Freud
(1914), a teoria narcísica do amor é uma teoria sobre o apaixonamento
romântico em que o objeto é idealizado como único e insubstituível,
apresentando-se como uma promessa de plenitude imaginária e felicidade,
na qual convergem o amar e o desejar. Pedro não conseguia manter um equilíbrio
de suas emoções, pois, quando estava amando, era visceral, se
entregava por completo, se esvaziava. Seus pensamentos e seus sentimentos eram
completamente investidos no objeto amado.
O enamoramento
consiste em um transbordar da libido narcisista sobre o objeto, que é
elevado ao nível do ideal (FREUD, 1914). Assim, o investimento libidinal
do objeto amado torna o EU apaixonado frágil e dependente. Na medida
em que o objeto é colocado no lugar do ideal, o amante torna-se um humilde
servo do objeto idealizado (FREUD,1921). Através da idealização
do objeto de amor e da aspiração de união com ele, o EU
pretende a fusão narcísica, a plenitude.
Desse modo, a
metapsicologia do amor centrada no narcisismo enfatiza o caráter impossível
e ilusório da plena realização amorosa, constituindo uma
magistral metáfora da paixão romântica.
Como Freud assinalou,
uma pessoa que ama priva-se de uma parte de seu narcisismo, que só pode
ser substituída pelo amor de outra pessoa por ele. Sob todos estes aspectos,
a auto-estima parece ficar relacionada com o elemento narcisista do amor. Era
assim que Pedro funcionava: se o ser amado estava em sintonia com ele, tudo
estava bem, mas bastava uma palavra, um gesto para sua auto-estima ir a zero.
Pedro vivia um
conflito psíquico entre o seu desejo homoerótico e a impossibilidade
de vivenciá-lo sem culpa devido à forte herança religiosa
que havia recebido de seus pais. Ele não conseguia aceitar seu desejo
sexual por outros homens. Sentia uma enorme angústia entre aquilo que
deveria ser e aquilo que desejava ser, pois a certeza de estar pecando o aprisionava
num sentimento de culpa que o induzia à depreciação e à
depressão.
Freud (1925[1924])
lembra que a homossexualidade não é uma perversão porque
ela deve ser remetida à bissexualidade constitucional de todos os seres
humanos. Portanto, o que caracteriza a sexualidade humana é o fato de
sermos seres pulsionais, por isso, falamos de uma psicossexualidade e não
de uma sexualidade instintiva. Na concepção de Freud, a sexualidade
humana não é natural, não decorre exclusivamente
da realidade biológica do corpo. Ela é profundamente moldada pelos
complexos de Édipo e de castração, assim como pela cultura,
que organiza o mundo simbólico de cada lugar e de cada época histórica,
com seus paradigmas que representam a diferença entre os sexos e as gerações.
Nesse sentido,
a incorporação da categoria de gênero ao campo psicanalítico
é importante para poder compreender a problemática da identidade
sexual. No entender de Laplanche (1988) e Dio Bleichmar (1997), longe de desvirtuar
seus princípios ou apagar suas fronteiras, pode contribuir para fortalecer
suas bases. O sexo é um sistema multifatorial no qual o gênero
é um dos fatores, às vezes de tanta envergadura que conduz o sujeito
a torcer sua dotação anatômica de nascimento.
Para os autores
acima, a sexualidade humana é uma construção cultural;
portanto, trata-se de um sistema sexo-gênero, fórmula que encerra
um giro copernicano para a teoria psicanalítica, pois põe em relevo
que o gênero configura e normativiza a sexualidade. Assim, a categoria
de gênero antecede à categoria de sexo. Antes mesmo que as crianças
se dêem conta da diferença de sexos, elas se dão conta da
diferença de gêneros.
Assim, ao realizarmos
a análise de uma pessoa com uma orientação homossexual,
não estamos fazendo um tratamento da homossexualidade, não existe
uma técnica especial para analisar pessoas homossexuais, apenas estamos
escutando o inconsciente do sujeito que nos procura em análise. Neste
sentido, clinicamente falando, é mais interessante partirmos da premissa
de que a orientação sexual e a saúde mental são
dimensões independentes e que a orientação homossexual
por si mesma não é indicadora de nenhuma patologia (ROUGHTON,
2001).
O desenhar
de uma nova linguagem
Dessa maneira,
diante de um mundo que nos interroga sobre nossas certezas cuidadosamente construídas
e cristalizadas ao longo da nossa existência, faz-se mister a escuta da
alteridade e do mal-estar que invade as nossas convivências diárias.
Como psicanalistas, necessitamos desfiar a teia inicialmente erguida para que
uma nova tecelagem possa vir a nascer no olhar desta mesma trama.
Nessa eterna dialética
do desejo humano, não há um terreno estável para pisar
quando se trata das emoções, dos sonhos, das paixões. Enfim,
quando o inconsciente se põe a escrever sobre a subjetividade humana,
a coisa se desenha por si só. Portanto, nada humano se trata de certezas
e verdades absolutas, mas áreas de reflexão. Somos sustentados,
provisoriamente, por construções de sentido que a qualquer momento
se dissipam para o surgimento de novas configurações.
A escuta analítica
deve estar calcada em um não saber que permita ao analisando
ir desconstruindo e destraduzindo sua própria história de vida,
dando assim a oportunidade de ressignificar algo ou de deixar que algo novo
possa daí surgir.
Aos poucos, Pedro
pôde aprender a acalmar suas angústias através da aceitação
de si mesmo. Pôde entender que as mariposas possuem uma linguagem que
lhes é própria, mas nem por isso carecem de tradutores que possam
decodificar seus desejos e serem intérpretes de suas almas. Também
seus sonhos, que eram uma tentativa de dar sentido ao que não tinha sentido,
especialmente a angústia que provinha do caráter não ligado,
enigmático, do material inconsciente, puderam ajudá-lo neste processo
de fortalecimento e tradução de seu próprio idioma. Assim
criou forças para revelar aos pais o que estava oculto em seu desejo
amoroso.
Pedro continuará
realizando este movimento de tradução e destradução,
no qual a cada nova tradução haverá a queda de um elemento
e o ingresso de outro. E é esta capacidade de autoteorizar que seguirá
instigando o ser humano a construir, desconstruir e reconstruir sempre novas
formas de traduzir a vida e seus enigmas. Ou como disse Pitágoras: “O
ser humano é mortal por seus temores e imortal por seus desejos”.
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*
Doutora em Psicologia (Fundamentos Psicanalíticos) – UAM –
Espanha. Psicanalista – Vice-Presidente e Coordenadora da Comissão
Científica da Sociedade Psicanalítica da Paraíba (SPP).
1 Freud postula uma teoria tradutiva
do recalque em termos de conteúdos psíquicos originários
que, em cada época da vida e em função das novas experiências,
irão sendo retraduzidos. O que resta, e sempre resta, o não traduzido,
corresponderá precisamente ao recalcado. O recalcado consiste precisamente
no resto não traduzido de uma tradução. O modelo tradutivo
pressupõe que algo é proferido pelo outro e que, só
depois, é retraduzido e reinterpretado. Neste sentido, o aspecto
tradutivo está intimamente ligado ao aspecto temporal. 2 O trabalho da análise consiste
em desmontar a interpretação tanto do presente como do passado.
Em realizar uma desconstrução das auto-explicações
e da ideologia do Eu, desfazendo a autoteorização existente para
permitir, eventualmente, uma teoria menos deformada, menos ideológica,
ainda que por definição também seja uma versão fragmentaria
ou incompleta. 3 Processo desenvolvido por Laplanche
em sua própria teoria tradutiva do recalque inspirada no modelo tradutivo
elaborado por Freud na antiga carta 52 a Fliess. 4 A teoria da sedução
traumática de Freud exigia ao menos dois tempos para produzir o trauma.
O a priori e o a posteriori da teoria mostram que nada se
constitui ou se inscreve se não está em relação
com um acontecimento anterior, que permita ou defina o a posteriori,
ambos separados pelo tempo. Isto significa que as respostas dadas no segundo
tempo – em presença de um psiquismo mais desenvolvido – são
diferentes das respostas dadas no primeiro momento. Neste sentido, é
preciso que um segundo tempo ocorra para ressignificar o primeiro. 5 Para Laplanche, o verdadeiro
núcleo da teoria da sedução é a prioridade da mensagem
do outro na constituição do sujeito. 6 É a confrontação
do infante com o mundo adulto, um infante que é um indivíduo biopsíquico,
aberto ao mundo, provido de montagens autoconservativos particularmente precários
e débeis, ou seja, desamparado. 7 O modelo do amor romântico,
cuja paternidade foi atribuída a Rousseau, consistia em um projeto amoroso
que era também uma proposta filosófica e política para
a sociedade burguesa em ascensão. Este ideal do amor romântico
alcançou seu ápice nos séculos XVIII e nas primeiras décadas
do XIX.