As máscaras
de Menotti del’Picchia: Arlequim, o desejo − Colombina, a mulher − Pierrot,
o sonho
Menotti
del’Picchia’s masks: Arlequim, the desire - Colombina, the woman
- Pierrot, the dream
Círculo
Brasileiro de Psicanálise - Seção Rio de Janeiro
Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora
American World University
Sociedade Brasileira de Psicoterapia, Dinâmica de Grupo e Psicodrama de
Juiz de Fora Endereço
para correpondência
RESUMO
O presente artigo
retoma a ligação feita através de símbolos entre
literatura e psicanálise. Analisa-se o poema “Máscaras”(1920)
de Menotti del’Picchia, um dos idealizadores da Semana de Arte Moderna
de 1922. A autora desliza pelas personagens da Commédia dell’Arte”:
Pierrot, Arlequim e Colombina articulando-os com a mulher, escolha de objeto,
desejo, erotismo, amor platônico.
This article takes
back a link made through the symbols between Literature and Psychoanalisis.
It uses the poem “Máscaras” (1920) by Paulo Menotti del Picchia,
one of the founders of the Modern Art Week in 1922. The authoress goes through
Commédia dell’art characters: Pierrot, Arlequim, Colombina, relating
them to the woman, the choice of the object, desire, erotism and platonic love.
Keywords:
Desire, The choice of the object, Erotism, Platonic love, Arlequim, Pierrot,
Colombina.
Mesmo sendo errados os amantes,
Seus amores serão bons.
(Choro Bandido,Chico Buarque/Edu Lobo)
“Máscaras”
é um poema lírico, romântico e escrito na forma de peça
de teatro. Transcreve o encantamento de dois homens, Arlequim e Pierrot, por
uma mulher, Colombina. Cada um deles, percebendo-a sob sua ótica particular
e partindo deste olhar, a descreve e ao sentimento que ela lhes despertou.
A literatura origina-se
da imaginação de seu autor com o objetivo de provocar um estado
emocional, um estado de prazer em seu leitor. É uma transfiguração
do real que utiliza de símbolos para melhor transmitir a idéia
de seu criador. Devido a este dado é que a literatura resiste ao passar
do tempo.
Eliot (1972) observa
que uma das funções da poesia que perdurou é a de fornecer
prazer, trazer um novo entendimento para o familiar, enfim, apurar a nossa sensibilidade.
O apuro da sensibilidade
está impregnado em um texto que é capaz de despertar uma angústia,
um sentimento de ter sido compreendido sem na realidade ser capaz de se explicar
no que se foi compreendido. É o dizer de algo que naquele momento traduz
a nossa subjetividade. Um texto nunca é lido, nem interpretado, da mesma
forma como um sonho que, trazido a uma sessão várias vezes, terá
tantas análises quantas vezes for investigado.
Sigmund Freud
sempre utilizou a literatura como forma de aplicação e demonstração
dos conceitos psicanalíticos, referindo-se ao universal do psiquismo
dos seres humanos. A psicanálise foi criada como método terapêutico
e, seu corpo teórico e técnico, tem como objetivo a abordagem
das patologias psíquicas. A psicanálise trabalha com os símbolos
produzidos pelo psiquismo humano e assim também o faz a literatura, conseqüentemente
as duas têm como objeto a subjetividade. A psicanálise é
o sujeito e o texto literário é o objeto.
Seguindo esse
raciocínio, uma obra tem valor de metáfora geral e universal;
ao ler se constrói um sentido que pertence ao leitor. O texto-manifesto
é uma superfície, fachada, máscara, e uma profundidade
deve ser aperfeiçoada para ser aplicada ao texto (KAUF MANN,1996).
O poema de Menotti
é carregado de símbolos começando pelo título, “Máscaras”,
até seus personagens: Arlequim, Pierrot e Colombina, que guardam por
si mesmos ampla simbologia. O texto se refere ao amor, desejo, percepção
e escolha de objeto, e às fantasias que cada um cria em torno do objeto
que provocou a captura.
O livro Máscaras:
o amor de Dulcinéia (1920), de Menotti del Picchia, me foi presenteado
por uma aluna há alguns anos e a cada vez que o lia me sentia provocada
e o lia novamente, buscando o que me capturava no poema. Neste ponto, as palavras
de Barthes (1973) sobre o texto me assaltam:
Ele (o
texto) produz em mim o melhor prazer se consegue fazer-se ouvir indiretamente;
se, lendo-o, sou arrastado a levantar muitas vezes a cabeça, a ouvir
outra coisa. Não sou necessariamente cativado pelo texto de prazer; pode
ser um ato ligeiro, complexo, tênue, quase aturdido:movimento brusco da
cabeça, como o do pássaro que não ouve nada daquilo que
nós escutamos, que escuta aquilo que nós não ouvimos.
Neste artigo,
não vou discorrer sobre máscaras. Mas sobre o desejo, sobre a
tristeza do amor-sonho, o lugar de Colombina ante a exigência do desejo.
Antes, considero pertinente fazer um breve histórico da origem destes
personagens que foram a fonte de inspiração para Menotti.
Paulo Menotti
del Picchia nasceu em São Paulo no ano de 1892 e faleceu em 1988, e foi
poeta, ficcionista, ensaísta, editor, jornalista, industrial, banqueiro,
deputado estadual e federal, escultor. Ficou conhecido ao projetar a Semana
de Arte Moderna de 1922, da qual fez um diário na imprensa entre 20 e
30, tendo sido membro das Academias Paulista e Brasileira de Letras. Ao completar
85 anos, Menotti concedeu entrevistas das quais transcrevemos dois trechos,
que pensamos traduzirem sua escrita:
Em matéria
de arte não admito pressão externa: a arte deve ser pessoal, independente
e livre; é ela que tira o ser humano da animalidade. (Folha de S.Paulo,
20 mar.1982).
Acho que as coisas
devem ser claras e simples, gosto de luzes e luminosidades. Às vezes,
num verso solto, aparece fragmentada toda a beleza do mundo, mas é preciso
que o poeta seja um lírico apaixonado. (O Globo, 20 mar.1982).
De acordo com
Menotti, o texto foi escrito em 1920 quando ele e quatro amigos – Martins
Fontes, Ibrahim Nobre, Armando Pamplona e Assunção Filho –
junto a uma dama paulista, não nomeada pelo autor, assistem de uma mesa
de bar à alegria carnavalesca . Del Picchia esclarece no prefácio
que aquela alegria platônica fez surgir a idéia de se escrever
um poema para marcar um momento tão alegre da mocidade.
Os personagens
têm sua origem na Commedia dell’arte, séc.XVIII,
na Itália, também chamada Comédia de Ofício, Comédia
Artesã. Nascida do povo, improvisada e com roteiros simples, seus personagens
eram fixos e típicos,e usavam máscaras que os identificavam. Era
a resposta do povo aos clássicos que aconteciam nos salões da
nobreza italiana, sendo uma ampliação das pantomimas que já
existiam há dois séculos. A Commedia sostenutta era aquela
do texto, em que os atores sabem antes do espetáculo o que vai ser dito
em cena. A sostenutta nasceu da pastoral, passou para o religioso,
transformando-se no típico mistério medieval. Em contrapartida
na Commedia dell’arte só há surpresas, tudo depende
da ocasião, da platéia, temas locais. A sostenutta sorri
e a dell’arte gargalha. A dell’arte usa máscaras,
movimenta-se no meio do povo, vive de suas moedas. Tudo é símbolo,
como o são Pierrot, Arlequim e Colombina. Os intelectuais italianos a
consideravam uma arte menor, do povo. Porém seu caráter revolucionário,
vigoroso, espontâneo foi registrado pelos de fora(RUIZ,1987).
Os franceses vão-se
deslumbrar, dando projeção ao gênero e, muitos artistas
franceses cruzam a fronteira para dela participar, antes mesmo que a dell’arte
chegasse à França. São eles que classificam, identificam
e reúnem características essenciais aos vários tipos. Interessam-nos
três e suas respectivas transformações... Zanni –
em latim sannio, farsantes – eram descendentes de escravos e
são criados. Aqui podemos fazer inferências, por que farsantes?
Por serem servos? Fazem de conta que servem? Continuemos. Não têm
escrúpulos, desmancham as tramas dos patrões, respeitam apenas
o amor em todas as suas formas. Mais um parêntese: servem ao amor, ao
desejo, à força da pulsão e os respeitam, mas não
servem a Lei representada pelos patrões, nem a respeitam. São
bufões, ligados tradicionalmente à dupla de palhaços. São
dois e se complementam como o lado direito/esquerdo, cara/coroa, dia/noite,
estúpido/inteligente...
O primeiro zanni
é malandro, conduz a ação, atento às possibilidades
de iludir e extrair favores, socorre namorados tornando possível os encontros,
suas trapaças são sempre engenhosas. O segundo zanni é
estúpido, imbecil, irremediável, sua idiotice é o oposto
da esperteza de seu compadre. Os personagens foram-se modificando e aperfeiçoando
ao longo de três séculos, sendo-lhes acrescentadas outras características
(RUIZ,1987).
O palhaço
ou clown é uma combinação de trágico e
cômico. É a encarnação do trágico na vida
cotidiana; é o homem assumindo sua humanidade e sua fraqueza e, por isso,
cômico. Lembremo-nos do texto de Freud nomeado de “O Humor”
(1927), quando diz ser um dom por se poder rir da própria condição
humana, característica de um superego benevolente e que apenas algumas
pessoas possuem.
Continuando com
a recuperação histórica de nossos personagens, a influência
francesa vai provocar transformações, refinamentos e surge a alma
da Commedia dell’arte: Arlequim, Arlecchino. O mais famoso Arlequim
da Commedia, Evaristo Gherardi, escreveu em 1700 um livro de memórias
em que pergunta: “O que é o Arlequim?” e responde: “É
tudo o que se queira que ele seja”. Como o desejo pulsional que não
tem nome nem endereço.. Envolve o objeto e o molda às fantasias.
De um personagem
obscuro da primitiva comédia, surge Pierrot. Sua tolice é delicada
e restrita ao terreno do amor, sempre envolto em devaneios e suspiros. Pierrot
só se vai firmar quando a literatura, principalmente a poesia e a pintura,
dele se ocupam transformando-o no imortal símbolo do amor incompreendido
(RUIZ,1987).
Não vou
entrar em detalhes históricos sobre a construção do triângulo
Arlequim, Pierrot e Colombina. Mas Arlequim, tem uma origem interessante, segundo
pesquisa realizada por Affonso Romano de Sant’anna (2003), que, fazendo
um estudo da palavra encontrou Hallequim. Este, por sua vez, é uma deformação
de Harila-King – rei dos exércitos. Comandava um exército
de mortos, invadia aldeias, violentava mulheres e humilhava os vencidos. Vestiam-se
de peles selvagens, assemelhavam-se a ursos e não tinham propriedades
pessoais. Apresentavam agressividade sexual e exigências sexuais. Segundo
Romano de Sant’Anna, há uma comprovação de sua existência
que remonta a 1100, sendo oriundo da Normandia. Se retomarmos Freud, a modificação
denuncia a sua origem, vejamos o texto “O Estranho” (1919). Ambivalências:
o sedutor Arlequim, antes um violador, em vez de amante um estuprador, em vez
de dançarino, um guerreiro bárbaro. Arlequim, o desejo, o erótico.
Em sua origem, a violência, o terror que a sexualidade provoca. Motivo
de sintoma, recalque. O bárbaro e assustador da força das pulsões.
Arlequim é
o conquistador que não perde uma e Pierrot perde todas, porque espera
demais da fidelidade feminina (RUIZ,1987). Os italianos estavam mais preocupados
em aplaudir a humilhação dos espertos e poderosos, mas, para os
franceses, triunfava o amor contrariado. Desta forma, é o triângulo
amoroso que será o centro da Commedia dell’arte na França.
Passemos a trechos
do poema de Menotti, iniciando com sua epígrafe:
Em qualquer
terra que os homens amem
Em qualquer tempo onde os homens sonhem
Na vida
Menotti já
nos denuncia seu caminhar, a fantasia que recobre o objeto de desejo e de amor,
e a expectativa do encontro do objeto idealizado. E que esta é a busca
enquanto houver vida: demanda de amor em suas várias formas.
O poema trata
de uma festa à fantasia, quando em momentos distintos cada um de nossos
três personagens vai ao jardim descansar. O texto é o relato da
captura de cada um deles pela paixão. Arlequim e Pierrot se encontram,
passando a relatar a sua experiência de abrupto enamoramento.
Passemos a palavra
a Arlequim:
Entre a
noite e a mulher, eu trêmulo hesitava,
Se a noite seduzia, a mulher deslumbrava...
Vinha do seio dela...um cheiro de mulher
A volúpia infernal de seus olhos devassos....
Todo homem enamorado
Se arrepende afinal de não ter tudo ousado
No ardor desse beijo, que é todo um romance de amor!...
Toda história de amor só presta se tiver no final um beijo de
mulher.
Assim canta Arlequim
sobre seu desejo para Pierrot. Rouba um beijo! Lembremos a origem de Arlequim,
salteador!
Pierrot, por sua
vez, refere-se ao sonho que sua Colombina despertou, ao medo de seus olhos assustadores
e como ele, Pierrot, prefere a fantasia à concretização
do beijo:
É
tão doce sonhar...A vida nesta terra, vale, apenas
Pelo sonho que encerra..
Sua íris ardia verdoenga...com o sinistro olhar de uma pantera..
Pareciam duas bocas de treva... tive medo..tinha a sensação
De estar num abismo...Para que beijar?
Para ver tristonho no tédio do meu lábio o vácuo do meu
sonho...
A história desse olhar é toda a minha história...
Colombina adentra
o poema cantando e é desta forma que faz sua aparição,
sendo ouvida a Voz (é Menotti quem escreve com letra maiúscula).
Canta a perda de dois amores um de olhos tristes e outro de beijo ardente. No
primeiro momento, é o som que interrompe o relato de Pierrot, mas eles
não a reconhecem pela audição e nem se vêem na sua
cantiga-lamento:
Foi um moço
audaz que vejo
No meu sonho claro e doce,
O amor que primeiro amei...
Abraçou-me, deu-me um beijo,
E, depois, lento afastou-se, e nunca mais o encontrei
Num ser pálido e doente
Resume-se o que consiste
O segundo amor que amei.
Ele olhou-me tristemente...
Eu olhei-o muito triste...
E nunca mais o encontrei!
Não a reconhecem
porque cada um deles a revestiu de sua própria forma de amar, e deformando-a
de tal forma que não vêem que sua respectiva Colombina é
a mesma mulher.
Em momento posterior,
Colombina se aproxima dos dois que, estarrecidos, percebem ser a mesma pessoa
e exigem que ela escolha. A paixão é busca de certeza, seu objeto
é aquele que pode preencher a falta ou garantir a existência do
desejo.
Pierrot:
Ai de mim que, tristonho, trazia à tua vida a oferta de meu sonho.
Pouca coisa porém... Uma alma ardente e inquieta arrastando na terra
um coração de poeta!
Arlequim: E a mim, cujo desejo te abriu o coração com a chave
de meu beijo? A tua alma era como a Bela Adormecida: o meu beijo a acordou
para a glória da vida!
Vejam como Arlequim
se refere ao desejo que desperta a alma e o coração! E Pierrot
com seu sonho e alma ardente se posiciona como sendo pouca coisa. O poema se
encerra com a fala de Colombina:
Este olhar
deu-me o desejo
Daquele beijo encontrar
Mas nunca, reunidas, vejo
a volúpia desse beijo
e a tristeza desse olhar!...
Pudesse eu reparti-me e encontrar minha calma,
dando a Arlequim meu corpo..e a Pierrot minh’alma!
Quando tenho Arlequim, quero Pierrot tristonho,
pois um dá-me o prazer e o outro dá-me o sonho!
Nesta duplicidade o amor todo se encerra:
um me fala do céu...outro fala da terra!
Eu amo, porque amar é variar, e em verdade
toda a razão do amor está na variedade....
Penso que morreria o desejo da gente
se Arlequim e Pierrot fossem um ser somente.
Colombina, sonhada
e desejada, diz de si no final. Oferece-se como objeto de adoração.
Submete-se ao toque do desejo e ao olhar do sonho. Colombina apresenta-se passiva,
submetida às paixões que desperta e suas falas são reações
aos desejantes Arlequim e Pierrot. Freud (1932) nos encaminhou aos poetas para
sabermos da mulher, Del’Picchia parece ter intuído (?) que a mulher
é desejo, desejo de ser objeto de desejo de um outro (SOLER, 2005). Antes
de sua fala final, Colombina faz crer, tanto a Pierrot quanto a Arlequim, que
seu desejo é único e total em direção a cada um...
Mas quando os dois surgem juntos, ela diz do prazer que a falta de cada um lhe
produz...quando está sonhando, deseja o frêmito do corpo e, quando
seu corpo estremece de volúpia, anseia pela tristeza e poesia do olhar
de Pierrot. A incompletude de cada um aumenta-lhe a ânsia e diz textualmente
do tédio se os dois fossem um só: “morreria o desejo da
gente”.
Neste ponto, relembremos
uma fala de Carmem de Bizet, na voz de Maria Callas (1968): “O amor é
um pássaro rebelde que não se pode aprisionar, é inútil
apelar se lhe convém recusar. O amor é filho da boêmia e
jamais, jamais sabe da lei mas se me amares cuide-se”.
Estar apaixonado
é estar açambarcado por um objeto e contra a sua vontade. Sabe-se
quem ama, mas não o que ama nele ou nela. A paixão é o
sentimento do súbito, a iminência de uma ruptura imediata com tudo
que se vive, nada é olhado como antes, tudo é revisto.
Freud (1905) diz
que o amor advém de uma perversão do olhar e da voz. Aí
construímos a nossa paixão, enfeitamos o objeto, o idealizamos
e nos submetemos. Fica-se nas mãos do objeto construído sobre
nossos sonhos, fantasias, organização psíquica e história
de vida. Esta submissão instala o destino masoquista das paixões.
Assoun (1999) diz que cheirar, ver e tocar é o coktail sensorial,
origem animal da relação de objeto. Pierrot e Arlequim correspondem
aos dois lados da atração que o objeto encerra: a fantasia que
o recobre, e o desejo dos sentidos, que é a denúncia de nosso
corpo erógeno. O último é olhado com desprezo, correspondendo
à cisão do paradigma moderno: corpo/espírito; homem/natureza.
O corpo supliciado desde sempre, a alma e o espírito tendo mais valor,
a história da humanidade denuncia o quanto o corpo é objeto de
tortura, penitências, desprezo, experiências, controle. O corpo
é matéria, é perecível, mera roupagem para o mais
importante: alma, espírito.
O conceito freudiano
de pulsão (1915) unifica o ser humano. As pulsões estabelecem
estilos de relação do sujeito consigo e com o mundo de acordo
com o circuito pulsional. A pressão exercida pela pulsão sobre
a mente constitui uma idéia e/ou imagem que vai trazer um certo alívio,
já que vai levar a uma ação. A este elemento ideacional
se junta o afeto. A história de cada um, suas vivências, como cada
sujeito se constitui possibilitará as escolhas objetais.
Em Fragmentos
de um discurso amoroso, Roland Barthes (1981) afirma: “Encontro pela
vida milhões de corpos; desses milhões posso desejar centenas;
mas dessas centenas, amo apenas um. O outro pelo qual estou apaixonado me designa
a especialidade do meu desejo” (1981).
Como se
faz esta escolha e como a deformamos?
Pierrot: Mãos mimosas, liriais.
Arlequim: Em minúcias te expandes... Pierrot: Um pé muito pequeno
Arlequim: Uns olhos muito grandes! Uma mulher igual a que encontrei na vida?
Pierrot, ofendido: Enganas-te, Arlequim, nem mesmo parecida.
Recebemos percepções
de fora, através dos órgãos dos sentidos e de dentro dos
mais profundos extratos do aparelho mental. São mais elementares do que
as percepções externas. Somente algo que já foi percepção
consciente é capaz de tornar-se consciente, e qualquer coisa proveniente
de dentro que procure tornar-se consciente, deve tentar transformar-se em percepção
externa mediante traços mnêmicos. Assim, existe a sensação
de um reconhecimento, de um reencontro. O traço mnêmico não
corresponde necessariamente ao percebido. A ilusão é a recuperação
de um traço mnêmico deformado (FREUD,1923). O objetivo primeiro
e imediato do teste da realidade é não encontrar na percepção
real um objeto que corresponda ao representado, mas reencontrar tal objeto,
convencer-se de que ele está ali. A reprodução de uma percepção
não é fiel, pode ser modificada por omissões ou alterada
pela fusão de vários elementos (FREUD, 1925).
Diz Pierrot: “Tinha
a fascinação satânica, envolvente, que tem por um batráquio
o olhar duma serpente, e fiquei, mudo e só, deslumbrado e tristonho,
sentindo que era real o que eu julgava um sonho!”
Amor, desejo,
paixão ensejam muitas outras possibilidades de análise, assim
como Arlequim, Pierrot e Colombina, mas, a festa está chegando ao fim;
as máscaras estão tortas e as fantasias amassadas:
Decidir
quando é mais oportuno dominar as próprias paixões é
curvar-se à realidade ou ao contrário, aceitá-las e preparar-se
para defendê-las contra o mundo externo e isto constitui o alfa e o
ômega da experiência da vida.(FREUD,1926-1927).
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Psicanalista. CBP-RJ; Professora titular do curso de Psicologia CES-JF; Mestranda
Letras.CES-JF; Mestre em Psicologia AWU-USA; Supervisora e professora na Formação
em Psicanálise Sobrap-JF; Coordenadora do Grupo de Estudo e Pesquisa
em Psicanálise CES-JF.